A contadora de filmes, livro de Hernán Letelier a cinéfilos e amantes da boa leitura

De em maio 3, 2012

Capa do livro lançado pela Editora Cosac Naify

Zedu Lima, jornalista e escritor, mais uma vez nos brinda aqui no Favo com sua perspicácia e sensibilidade: apresenta-nos o terceiro livro do escritor chileno sobre a garota que contava os filmes a que assistia aos moradores do vilarejo em que morava ao norte do Chile, no final da década de 50. A contadora de filmes de Hernán Rivera Letelier em breve vai chegar às telas pelas mãos do brasileiro Walter Salles. Mais uma vez, Zedu, obrigado pela colaboração e pela confiança neste blog. Aos meus leitores, aguardo seus comentários!

Ao apagar as luzes todos se endireitavam e ficavam duros na frente da tela. Eu não. Eu virava a cabeça para ver aparecer o raio de luz que saía pelas janelinhas do quartinho de projeção e percorria o espaço sobre nós até se chocar com a tela e explodir em imagens e sons. (…). Eu achava um prodígio que aquele jorro de luz pudesse transportar coisas tão impressionantes como trens perseguidos por índios a cavalo, barcos de piratas em mares de tormenta e dragões verdes exalando fogo por suas sete cabeças.
Esse era o deslumbramento que a pequena Maria Margarita sentia quando ia com a família ao pequeno cinema no vilarejo onde morava, no deserto, no norte do Chile, no final dos anos 50. Maria Margarita é a personagem narradora de A contadora de filmes, terceiro livro do chileno Hernán Rivera Letelier, lançamento da Editora Cosac Naify. Não é a toa que o cineasta Walter Salles se encantou com sua narrativa, a tal ponto de não apenas fazer uma apresentação nas orelhas do livro, como a elegeu como seu próximo projeto cinematográfico.

Hernán Rivera Letelier, escritor chileno

Fã ardoroso da sétima arte, e mesmo com a grana curta, já que não passava de um explorado empregado de uma mina de sal, o pai de Maria Margarita não perdia uma sessão no precário e único cinema do vilarejo.  Mesmo porque, era a única distração que eles tinham. Para isso, a família — Maria Margarita era a mais nova e a única mulher dos cinco filhos —, se ‘produzia’ sob os cuidados da mãe.
Um acidente de trabalho deixa o pai da menina paralítico. Para não perder o prazer de assistir a um filme, ele faz um concurso entre os cinco filhos para escolher quem melhor sabia contar a história que assistiu na tela. Maria Margarita é a eleita e se transforma na contadora de filmes em sua casa. Ao descobrir seu talento, começa instintivamente a se aperfeiçoar, buscando detalhes que passavam despercebidos para os espectadores, para dar mais ênfase às suas narrações: a forma acanalhada da loura amante do mafioso pintar os lábios, um tique quase despercebido do pistoleiro nos instantes que antecediam o sacar do revolver, a forma em que os soldados acendiam o cigarro nas trincheiras para que o inimigo não visse o fulgor do fósforo.
Suas narrativas eram revestidas de tal encantamento que os vizinhos passaram a frequentar sua casa, preferindo, muitas vezes, vê-la contar do que assistir ao filme na tela grande. Fascinada com essas narrativas, uma dessas espectadoras comenta com o pai da menina: “Sua filha é uma fada contando filmes, vizinho, e sua varinha mágica é a palavra. Com ela, nos transporta.”
Mas, diferente de um conto de fadas, nem todo filme tem final feliz. Margarita fica moça, sua família se decompõe, os tempos são outros, o homem pisa na lua, a televisão chega ao vilarejo (os tetos das vielas de casas se transformaram em bosques de antenas). Salvador Allende é eleito e deposto por Pinochet, que passa a governar o país com toda a sua truculência e, aquele microcosmo, é contaminado com a turbulência e as novidades que vêm de fora.

Zedu Lima em mais uma participação especial para o Favo

Recomendo o livro a cinéfilos e não cinéfilos. Com 106 páginas, é uma delícia de ler; cada capítulo é apresentado como um fotograma. Meu único senão é que, depois de um final bem construído, Letelier acrescenta mais um capítulo, trazendo de volta um personagem para o qual ele já tinha dado uma destinação satisfatória. Esse retorno nada acrescenta. Talvez o autor tenha querido homenagear os melodramas dos filmes mexicanos dos anos 1950 que o pai de Maria Margarita tanto gostava.

Zedu Lima

 Fotos: divulgação


2 Comentários

Huáscar Nabuco de Abreu

maio 15, 2012 @ 10:37

Resposta

Obrigado Zedu por mais esta ” dica “. Como sempre, gostei demais de
sua análise, como sempre, um preciso bisturi analítico.
Abraços,
Huáscar

Maurício Mellone

maio 15, 2012 @ 14:05

Resposta

Huáscar:
Relamente o Zedu é certeiro em suas indicações.
Obrigado pela visita, volte sempre!
abr

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