Peça: Eu estava em minha casa e esperava que a chuva chegasse, foto 1

Antunes Filho: diretor estreia sua versão de peça de Jean-Luc Lagarce

De em setembro 26, 2018

Peça: Eu estava em minha casa e esperava que a chuva chegasse, foto 1

Elenco: Rafaela Cassol, Suzan Damasceno, Fernanda Gonçalves, Viviane Monteiro e Daniela Fernandes

Um dos maiores diretores teatrais brasileiros em atividade, Antunes Filho acaba de estrear seu mais novo espetáculo no SESC Consolação, Teatro Anchieta. Trata-se de Eu estava em minha casa e esperava que a chuva chegasse, peça do contemporâneo dramaturgo francês Jean-Luc Lagarce, o autor mais montado hoje na França.

O texto poético de Lagarce reproduz o cotidiano de uma família constituída só de mulheres, todas sem nome — a mãe (Suzan Damasceno), a mais velha de todas (Rafaela Cassol), a filha mais velha (Fernanda Gonçalves), a segunda (Viviane Monteiro) e a mais nova (Daniela Fernandes) —, que estão à espera do irmão que abandonou o lar depois de uma discussão com o pai. Durante o decorrer da trama, todas repetem a mesma toada da briga entre os únicos homens da família, porém cada uma apresenta uma versão dos fatos. O espectador é obrigado a criar a sua própria história.

Peça: Eu estava em minha casa e esperava que a chuva chegasse, foto 2

Antunes Filho, diretor do Centro de Pesquisa Teatral do SESC

 

Com o palco tomado por cadeiras dispostas por todo o espaço (elas estão em fileiras, mas cada uma em posição diferente), a filha mais velha dá início à trama contando a sua versão dos fatos, sendo que sua frase inicial é o título da peça. A partir daí cada uma daquelas mulheres vai apresentar o seu ponto de vista diante da partida do irmão, do período em que ele esteve ausente, dos motivos que o levaram a abandonar a família, do tempo desperdiçado por elas nesta espera, de seu regresso (ele volta mesmo?) e da nova relação que terão de criar com ele e com o mundo.

 

“Cinco mulheres giram em torno do filho que partira e por quem tanto esperam. Elas nutrem sentimentos variados: uma dor pela espera interminável, um ressentimento pela vida desperdiçada, uma volúpia reprimida, um desespero que nunca rompe, um grito sufocado pelo tempo. Cada uma delas apresenta uma versão. Apesar da dor, apesar do rancor, apesar da tristeza, apesar da chuva, elas esperam,” explica Phabulo Mendes, que assina a pesquisa da montagem ao lado de Thiago Brito.

Com um enredo aparentemente simples, o dramaturgo, ao trazer diversas versões do mesmo fato, incita o espectador não só a criar o próprio enredo como refletir sobre verdades absolutas. No programa da peça, muito bem elaborado e com informações precisas sobre o espetáculo, o dramaturgo diz que autores como Anton Tchekhov, Eugène Ionesco e Samuel Bechett desestruturaram os paradigmas teatrais tradicionais, mas que é necessário ir além:

“Os impressionantes edifícios da certeza definitiva não nos fazem falta, paremos de construí-los. Devemos conservar no centro de nosso mundo o lugar de nossas incertezas, o lugar de nossa fragilidade, de nossas dificuldades em dizer e em falar. Devemos permanecer hesitantes e resistir”, afirma Jean-Luc Lagarce.

Peça: Eu estava em minha casa e esperava que a chuva chegasse, foto 3

Com uma dramaturgia provocativa, a criativa encenação de Antunes Filho está em sintonia com o ideário do autor: as cinco personagens pouco contracenam, há, ao contrário, momentos em que cada uma delas tem a chance de solitariamente expor sua visão de mundo. Destaque para a plasticidade da montagem, com belos cenário, visagismo e iluminação. E como o diretor diz no programa da peça (“não interprete, explique a peça!”), acredito que mais do que a espera daquelas mulheres pelo irmão, o autor também alude a uma espera existencial, a espera da vida e da morte, a espera de Godot.

Vale muito a pena conferir mais este impactante trabalho do diretor Antunes Filho, com temporada prevista até dezembro.

 

 

 

Roteiro:
Eu estava em minha casa e esperava que a chuva chegasse. Texto: Jean-Luc Lagarce. Tradução: Maria Clara Ferrer. Direção: Antunes Filho. Elenco: Fernanda Gonçalves, Daniela Fernandes, Viviane Monteiro, Suzan Damasceno e Rafaela Cassol. Assistente de direção: Luana Frez. Cenografia e figurinos: Simone Mina. Visagismo: Roger Ferrari. Iluminação: Edson FM. Preparação de corpo e voz: Antunes Filho. Pesquisa: Phabulo Mendes e Thiago Brito. Fotografia: Inês Correa. Produção executiva: Emerson Danesi.
Serviço:
SESC Consolação – Teatro Anchieta (280 lugares), Rua Dr. Vila Nova, 245, tel. 11 3234-3000. Horários: sexta e sábado às 21h e domingo às 18h. Ingressos: R$ 40, R$ 20 e R$ 12. Duração: 70 min. Classificação: 14 anos. Temporada: até 16 de dezembro.


2 Comentários

Antoune Nakkhle

outubro 3, 2018 @ 15:32

Resposta

Assistir o espetáculo do Antunes Filho e depois ler a resenha foi ótimo, muito legal somar pontos de vista.

Maurício Mellone

outubro 4, 2018 @ 10:45

Resposta

Antoune,
fico muito feliz pelo seu retorno, já q assistimos juntos a peça
e até comentamos algumas coisas depois do espetáculo.
Esta resenha em particular me deu um trabalho extra, já
que a proposta do autor e da direção do Antunes Filho
são provocativas.
O ato da escrita é solitário e como é bom receber retorno
sobre o q escrevo.
Muito obrigado, volte mais vezes ao Favo!
Bjs

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