As Cegas: misto de dança e teatro discute a mortalidade

De em setembro 22, 2011

Vera Bonilha, Gil Grossi e Neca Zarvos com a caveira/morte

A morte rondando tanto uma cega como uma psiquiatra, que vive plugada em todos os aparelhos da mais alta tecnologia dos tempos atuais. Esse o mote do espetáculo que estreou ontem no Viga Espaço Cênico, As Cegas, texto e direção de Cláudia Maria de Vasconcellos.
O enredo foi criado a partir de estudo e pesquisa do grupo, além de entrevistas com filósofos, psiquiatras sobre a mortalidade. O resultado é um espetáculo com poucas palavras, que são substituídas por gestos, dança e pantomima.
Como em CataDores (peça em cartaz no Teatro Eva Herz e com resenha publicada aqui), Cláudia retoma o tema da morte e a incapacidade do homem de lidar com ela. Se naquele texto eram dois palhaços que questionavam o cotidiano rotineiro, a repetição de atos e sentimentos (viver é estar à espera da morte?), em As Cegas a autora personifica a morte. Ela está presente no palco por uma caveira bem posicionada e, principalmente, pela intervenção direta dela ( vivida por Gil Grossi), que ronda a vida da psiquiatra viciada em tecnologia (Vera Bonilha) e da ceguinha, brilhantemente interpretada por Neca Zarvos.

Ceguinha (Neca) e psiquiatra (Vera) em cenas hilárias

Paralelamente, a cega e a psiquiatra reproduzem a rotina da vida: acordam, vão trabalhar, voltam para casa e novamente outro dia recomeça com as mesmas atividades. Aos poucos o público vai se envolvendo nas circunstâncias criadas por elas e o inusitado, o jocoso e o patético sobressaem.
São hilárias as cenas em que a ceguinha se atrapalha para atravessar a rua, tem devaneios com a excessiva dosagem de anti-depressivos e luta para se livrar da sombra da morte. Já a psiquiatra no início passa um ar de modernidade, ponderação e profissionalismo; no entanto, no decorrer da trama, ela vai ficando ‘cega’ com tanta tecnologia e modernidade. A sátira aqui é fina e certeira. Seus discursos sobre a morte, gravados para um livro, ficam na teoria, na prática ela é tão despreparada como cada um de nós.
Os cenários e objetos de cena, de Tadeu Knudsen, são mínimos porém decisivos para a desenvoltura dos atores — a coreografia (de Letícia Sekito) é muito bem definida, enquanto a psiquiatra anda de forma retilínea pelo palco, a ceguinha perambula pelo centro, tateando o espaço para se localizar. A morte é que fica solta para alcançar seu objetivo, levá-las embora. Destaque ainda para a trilha e efeitos sonoros compostos originalmente por Natalia Mallo.

Fotos: Luciana Bortoletto

você pode gostar


2 Comentários

Cláudia Maria de Vasconcelos

setembro 23, 2011 @ 15:48

Resposta

Caro Mellone,
fiquei muito contente que tenha sido você o primeiro a escrever sobre nós. Você já havia escrito sobre os CataDores, e pode fazer uma conexão precisa entre os dois trabalhos. As Cegas, como você bem notou, retrata as pessoas mortas, ou seja, aquelas que estão capturadas pelo consumo, pela velocidade, pela técnica ou pelo medo. A morte em cena é a mortalidade, a possibilidade de nosso fim a cada instante, talvez o único dispositivo que pode nos tirar do círculo vicioso da insanidade contemporânea e nos remeter de novo ao humano em nós.
Espero que nossa interlocução continue.
Forte abraço, Cláudia.

Maurício Mellone

setembro 23, 2011 @ 15:51

Resposta

Cláudia:
Que honra receber sua visita aqui.
E melhor ainda, com um comentário que não só responde a resenha
como esclarece ainda mais sua intenção com o espetáculo.
Parabéns e sucesso!
Terei o maior prazer em dar continuidade à nossa interlocução!
abr

Deixe comentário

Deixe uma sugestão

Deixe uma sugestão

Indique um evento

Indique um evento

Para sabermos que você não é um robô, responda a pergunta abaixo: