Los hijos de las nubes: crítica da peça encenada em Madrid

De em março 19, 2012

O professor da UFMG Carlos Maco Mendonça enviou com exclusividade sua crítica teatral

Foi com alegria e muita honra que recebi a resenha sobre a peça Los hijos de las nubes, enviada pelo jornalista e professor-doutor da UFMG Carlos Maco Mendonça. De malas prontas para voltar, Maco ainda abriu brechas na concorrida agenda para colaborar com o Favo do Mellone e logo no início justifica sua opção pela montagem madrilena: “Refletir sobre as formas de fazer teatro é também uma maneira de contribuir com o debate sobre os produtos culturais aos quais somos expostos”, argumenta.
Portanto, boa leitura e não se esqueça de deixar sua opinião, tanto sobre a crítica do espetáculo espanhol como do blog de uma maneira geral.

“En la vida todo es verdad y todo mentira”

Esta frase nomeia uma das peças menos montadas do dramaturgo espanhol Calderón de la Barca. Entretanto, esta mesma frase serve como um perfeito epílogo para uma breve reflexão sobre a peça Los hijos de las nubes, um texto de Lola Blasco, dirigido por Julián Fuentes Reta, encenado na sala Cuarta Pared, Madrid. Com uma forte marca biográfica, o texto narra uma Via Crucis que tem início no deserto de Tindouf, Argélia, e termina no Valle de los Caídos, Espanha.
Pode parecer estranho abordar em um blog paulistano dedicado à cultura uma obra teatral que não será vista no Brasil. Porém, refletir sobre as formas de fazer teatro é também uma maneira de contribuir com o debate sobre os produtos culturais aos quais somos expostos.

Miguel Insua, Delia Vime e Borja Maestre interpretam a peça de Lola Blasco

Los hijos de las nubes conta a história do encontro de uma fotógrafa espanhola com o povo saharaui. Este povo vive refugiado no Saara Ocidental. Colonizados pela Espanha na primeira metade do século XX, hoje os saharaui vivem abandonados pelo mundo e vitimados frequentemente pelas tentativas de ocupação de seu território por Marrocos. Como apontou a dramaturga, a montagem está atravessada por duas histórias: “Uma é a história que tem haver com minha viagem aos acampamentos e com a denúncia desta situação inaceitável; a outra história é a da Espanha. A transição para a democracia em nosso país foi mal feita, muito mal feita, e agora sofremos as consequências. Uma das tantas coisas que ficaram sem resolver depois da morte de Franco foi esta, a situação do povo saharaui. Por isto nos remontamos ao momento da morte de Franco, a raiz do problema. Enquanto na Espanha celebrávamos a possibilidade de uma democracia, no Saara seus habitantes eram desterrados ao exílio.”
A montagem segue os trilhos do teatro documental: a peça trabalha com componentes extraídos da memória histórica, de relatos pessoais do cotidiano da dramaturga e de entrevistas realizadas no campo de refugiados. O conflito surge como tema e como guia da encenação. Ele é um fluxo que não cessa e atinge o espectador a todo tempo. O tempo. Este elemento endurecido da vida cotidiana ganhou maleabilidade nas mãos da direção. Movimentos, gestos e paradas corporais modelam o tempo, deixando-o mais lento, mais denso. Nesta densidade, o silêncio, alternado com longas narrações, cria rachaduras, abre as valas e traz à vida os mortos do deserto. Aparecem em cena fantasmas, que oferecem ao espectador uma visão de si mesmo.
Encenada pelos atores Miguel Insua, Delia Vime e Borja Maestre, a peça está sustentada basicamente por duas personagens: a fotógrafa e aquele que será seu guia no deserto para o encontro com o povo saharaui. O achado da direção neste momento é que a sustentação tão bipartida não se dedica a criar um corpo para cada personagem. Há uma voz narrativa que retorna ao texto e faz pousar sobre o corpo do ator a personagem necessária ao momento da ação.
Los hijos de las nubes pode ser definida como uma montagem inquietante ou mesmo desconcertante. Uma montagem em que o encontro da fotógrafa com o povo saharaui é também o encontro entre a palavra e a imagem, entre a voz e o corpo.

Carlos Maco Mendonça

Fotos: divulgação

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