Peça: Se eu fosse Iracema, foto 1

Se eu fosse Iracema: monólogo expõe a questão indígena no Brasil

De em fevereiro 1, 2017

Peça: Se eu fosse Iracema, foto 1

Adassa Martins protagoniza espetáculo que dá voz aos índios brasileiros

“Só o homem branco sabe,/
Só o homem branco sobe,/
Só o homem branco salva,/
Os outros homens: selva.

Esta estrofe do poema de Fernando Marques, o autor da peça Se eu fosse Iracema, em cartaz no SESC Ipiranga, dá o tom contestador do espetáculo. Com a intenção de dar voz a quem menos a tem neste país — as várias nações e tribos de índios —, o solo de Adassa Martins tem como objetivo chamar a atenção de todos para o que foi feito e ainda se faz contra aqueles já habitavam o continente antes da colonização europeia.

“As contradições estão presentes em diversos relatos e textos documentais que usamos na concepção do espetáculo. É uma honra a possibilidade de falar sobre este assunto, de ecoar essas vozes tão caladas desde 1500. Olhamos tão pouco para os índios, e as questões referentes à vida deles permanecem as mesmas até hoje”, argumenta Adassa Martins.

Peça: Se eu fosse Iracema, foto 2

Com saia de látex, atriz faz fusão de línguas indígenas com o português

O público ao entrar no auditório de apenas 30 lugares só se depara com um pequeno tronco de árvore; depois de um black out total e sons da chegada de alguém, os espectadores vislumbram um perfil que recebe um foco de luz apenas nos olhos e a atriz começa um discurso todo falado em línguas indígenas. Aos poucos o texto mescla palavras em português com aquelas já ditas anteriormente. O recado foi dado: o protesto contra o desprezo da sociedade brasileira a tudo o que se refere à vida das mais variadas nações de índios, os originários habitantes do continente americano. De acordo com o diretor Fernando Nicolau, a criação do espetáculo contou com uma extensa pesquisa, tanto de filmes como Índio cidadão?, de Rodrigo Siqueira, Belo Monte, anúncio de uma guerra e A lei da água, ambos do cineasta André D’Elia, além de obras de grandes conhecedores do universo dos índios, como Darcy Ribeiro, Alberto Mussam e Beth Mindlin e do livro A queda do céu – palavras de um xamã yanomami, de Davi Kopenawa e Bruce Albert, recém-lançado no país. A pesquisa também se baseou na cultura, nos usos e costumes de algumas tribos, remontando seus ritos de passagem:

“Escolhemos trabalhar o ciclo da vida: a origem do mundo, a infância, a adolescência, a fase adulta na figura da mulher e do ancião, na figura do pajé chegando ao fim do mundo”, explica o diretor.

 

Peça: Se eu fosse Iracema, foto 3

Peça de Fernando Marques é dirigida por Fernando Nicolau

Além da iluminação precisa de Licurgo Caseira que pontua a narrativa, um dos grandes destaques da peça é a justaposição de vozes dissonantes: além do grito de protesto dos índios, a trama também traz as vozes das classes dominantes e daqueles que defendem o agronegócio, em contraposição ao modo de vida e à cultura indígenas. Ficam patéticas as colocações dos poderosos diante da realidade do país, que sempre desprezou ou desconsidera a existência dos índios na sociedade brasileira.

O figurino de Luiza Fardin também causa grande impacto: sem qualquer tom carnavalesco, a saia longa vermelha de látex e borracha contribui para postura firme e incisiva da atriz, que impõe verdade da primeira à última fala da peça.
Se eu fosse Iracema vem de duas temporadas de muito sucesso no Rio (com indicações a prêmios) e permanece na cidade só até o próximo dia 12. Imperdível!

 

Fotos: Imatra


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