De Maurício Mellone em setembro 6, 2024
Depois do sucesso da temporada de estreia e uma pequena passagem pelo Rio de Janeiro, está de volta a São Paulo, no Teatro Unimed, o espetáculo A última entrevista de Marília Gabriela, com dramaturgia de Michelle Ferreira e direção de Bruno Guida.
No palco uma trama que mescla realidade e ficção: Theodoro Cochrane recebe em seu programa de TV, transmitido ao vivo do teatro, para uma entrevista exclusiva, nada mais, nada menos do que Marília Gabriela, sua mãe, atriz e jornalista, considerada pela crítica e pelo público como uma das mais experientes entrevistadoras do país. Numa mudança de posição, ela é a entrevistada; no entanto eles realmente invertem os papéis e a discussão se aprofunda, com temas relevantes vindo à tona, como relação mãe e filho, etarismo, público e privado e conflito de gerações.
Como se os espectadores fizessem parte da plateia do programa de entrevista (nos moldes de um talk show), Theodoro tem uma entrada especial: está de costas numa espécie de tela luminosa (o público pode se confundir se é ele ou a mãe) e após uns instantes entra e discorre sobre um tema filosófico (tudo ou nada). Em seguida, chama pela convidada, que demora para entrar; na terceira tentativa, Marília entra e sente-se um pouco desconfortável, já que é a entrevistada e não a entrevistadora.
Neste momento já é possível perceber a fusão entre realidade e ficção: Marília responde às perguntas do filho Theodoro ou é uma entrevistada tímida que tenta responder sem cair nas armadilhas do interlocutor afiado.
Para intensificar o jogo cênico, eles resolvem literalmente inverter os papéis: Marília passa a ser Theodoro e o rapaz é a jornalista. Pode parecer uma mera brincadeira, mas a autora aproveita para aguçar as indagações, com temas delicados e difíceis sendo tratados de maneira contundente. Por exemplo, a questão da idade e como enfrentar a finitude; por outro lado, a relação mãe/filho é enfrentada com vigor, sem filtro. Há um rompimento e o ator sai de cena. Marília então propõe uma interatividade com a plateia e uma pessoa sobe ao palco para uma breve entrevista; é assim que o público pode novamente assistir Marília no domínio pleno de sua atividade jornalística. A conversa flui com verdade e a entrevistadora consegue retirar o melhor da pessoa convidada. Um corte brusco e novamente a personagem Marília ressurge: suas limitações (físicas, emocionais) reaparecem e Theodoro volta para auxiliá-la.
A entrevista é retomada, de forma inusitada: ele no palco e Marília em vídeo. Ao final a imagem dela se funde com sua presença em cena. Ambos encerram a entrevista cantando animadamente. Além de um texto que traz quebra de expectativa e mescla realidade e ficção (o que propicia que o espectador fique atento e reflita), a montagem é bem dirigida, com bom ritmo; destaque ainda para os belos figurinos de Theodoro Cochrane e a sintonia entre a iluminação de César Pivetti e o cenário de Gabriel Dietrich: luzes e monitores de vídeo ambientam a mistura de TV e teatro, um dos recursos utilizados de forma criativa. A química e o entrosamento em cena de Marília e Theodoro devem ser ressaltados: ambos transmitem a necessária dubiedade dos personagens, o que cativa a plateia. Confira, a peça fica em cartaz até final de outubro.
Roteiro:
A última entrevista de Marília Gabriela. Dramaturgia: Michelle Ferreira. Direção: Bruno Guida. Elenco: Marília Gabriela e Theodoro Cochrane. Figurinos: Theo Cochrane. Iluminação: César Pivetti. Trilha sonora: Daniel Maia. Cenografia: Gabriel Dietrich. Fotografia: Bob Wolfenson. Realização: Rega Início Produções Artísticas.
Serviço:
Teatro Unimed (240 lugares), Alameda Santos, 2159. Horários: sexta e sábado às 20h e domingo às 18h. Ingressos: plateia- R$180 e R$ 90; balcão- R$120, e R$60. Cliente Unimed 50% de desconto. Vendas: Sympla. Duração: 70 min. Classificação: 14 anos. Temporada: até 27 de outubro.
2 Comentários
Imad Nasser
setembro 9, 2024 @ 17:41
A peça superou minhas expectativas. Foi uma satisfação ver a sintonia entre mãe e filho, principalmente o humor do Theodoro. Também houve espaço para o drama, num acerto de contas sensível, que gera reflexão. Finalmente, a ideia de entrevistar alguém da plateia foi legal; só podia ter sido menos demorada! Valeu, caro Maurício Mellone.
Maurício Mellone
setembro 9, 2024 @ 17:57
Imad, querido:
ambos gostamos da peça e do texto!
Adorei ter trocado com vc algumas impressões
ao final da peça. Com seu comentário, suas
ideias ficam registradas para todos.
obrigado pela visita, volte sempre!
bjs