De Maurício Mellone em julho 28, 2014
Diretor de clássicos como Hiroshima Meu Amor, o francês Alain Resnais, foi premiado pela crítica no Festival de Berlim, em fevereiro último, exatamente um mês antes de falecer. E mais este reconhecimento foi pela comédia Amar, Beber e Cantar (Aimer, boire et chanter), em que Resnais adaptou outra peça do dramaturgo inglês Alan Ayckbourn — antes ele já filmara Smoking, no smoking/1993 e Medos privados em lugares públicos/2006, do mesmo autor.
Desta vez a trama é praticamente um teatro filmado. Um grupo de amigos ensaia uma peça amadora quando uma notícia vem perturbar a todos: George (personagem que nem aparece, mas é citado e com que todos se relacionam) tem poucos meses de vida. Este fato faz com que todos repensem sua trajetória de vida.
Neste seu último filme, Resnais inova e mescla realidade e ficção: a câmera passeia pela locação, uma cidadezinha no interior da Inglaterra, e ao chegar aos personagens para o início da ação, a imagem congela, vira uma pintura e volta para a realidade. E já na primeira cena novamente a mistura de ficção e realidade: o médico Colin (Hippolyte Girardot) e sua mulher Kathryn (Sabine Azéma) estão num diálogo, que é interrompido. Só então o espectador percebe que eles estão ensaiando uma peça, em que irão contracenar com os amigos Jack e Tamara, vividos por Michel Vuillermoz e Caroline Sihol. Colin recebe um telefonema, fica tenso e Kathryn não sossega enquanto não descobre do que se trata; é que George está com câncer e tem poucos meses de vida. A notícia era um segredo, mas em poucos minutos todos ficam sabendo.
A cena seguinte é com os quatro tentando ensaiar, mas não conseguem em razão da iminente morte do amigo. Eles culpam Monica (Sandrine Kiberlain), ex-mulher de George, pela doença dele, já que ela abandonou o casamento para viver com o fazendeiro Simeon (André Dussollier).
A brincadeira da fusão entre fantasia e realidade está presente em cada cena: a ação acontece numa locação, mas as paredes são de panos pintados. Assim a todo o momento o espectador é lembrado sobre a representação, o filme sobre a peça, o teatro filmado. Outro elemento inusitado do filme de Resnais é que George, mesmo ausente, é o personagem que se relaciona com todos e movimenta a trama, pois é função de sua morte que cada personagem é obrigado a reavaliar sua existência. Os três casais se checam, as máscaras caem e os conceitos de fidelidade, traição e possessividade são questionados.
Com humor e leveza Amar, Beber e Cantar provoca boas reflexões sobre os relacionamentos afetivos e, principalmente, sobre o entendimento da vida e da morte. Uma síntese e um legado do grande diretor Alain Resnais.
Fotos: divulgação
2 Comentários
Marcello Queiroz
julho 30, 2014 @ 11:57
Parabéns pela resenha, Maurício. Resnais de fato nos presentou um fantástico “teatro filmado” com atos bem marcados por ótimas interpretações e belas pinturas. Abs
Maurício Mellone
julho 31, 2014 @ 09:42
Marcello,
obrigado por ter gostado do que escrevi sobre o último filme de Resnais.
Inovador e instigante!
abr e obrigado pela visita, volte sempre!