De Maurício Mellone em setembro 18, 2024
Ao completar 80 anos, Chico Buarque, ao invés de receber os presentes, é ele que oferece a seu público mais uma obra de seu repertório. O romance Bambino a Roma, lançado pela Companhia das Letras, é uma autoficção, em que ele relembra os dois anos que viveu com a família na capital italiana, entre 1953 e 1954, quando o pai, o historiador e sociólogo Sérgio Buarque de Hollanda, trabalhou na Universidade de Roma.
De forma leve e casual, como se estivesse contando suas aventuras de infância para os amigos, o autor relata desde a saída de São Paulo, a viagem de navio até a chegada à Itália. É o olhar do adulto para a sua meninice (ele tinha 9 anos); porém, o leitor tem a sensação de que é o garoto que está contando suas histórias.
“Agarrado à bola de futebol, olhei para trás ao sair de casa na Rua Haddock Lobo, 1625, São Paulo, assim que partiu o caminhão de mudança. Vendo a casa tão vazia, com manchas de mobília no chão e de quadros na parede, entendi que a ausência seria longa, talvez para sempre.”
É desta forma que tem início o oitavo livro de Chico Buarque, vencedor em 2019 do Prêmio Camões de Literatura pelo conjunto de sua obra. Autor de peças teatrais, obras infantis e de romances, dentre eles Estorvo/1991, Budapeste/2003 e Anos de chumbo e outros contos/2021, desta vez o livro, com 267 páginas, dividido em 29 capítulos, retrata o período em que família morou em Roma, num prédio da Via San Marino, apartamento 2.
Os fatos são narrados de forma despretensiosa, no início com alguma sequência cronológica. O ambiente na escola americana, os colegas também estrangeiros, os passeios de bicicleta (niquelada, com pneus brancos) pela cidade, a saudade do melhor feijão-preto de São Paulo preparado pela Aparecida, a relação com os irmãos e as ‘peladas’ com os garotos da rua com a sua bola de futebol:
“E não era difícil fazer sucesso com os garotos da minha idade sendo o proprietário de uma bola de couro da marca Drible número 5, presente de Natal da minha madrinha no Brasil. Após alguns mal-entendidos, consegui convencer a turma da Villa Paganini de que a bola me fora presenteada por Ghiggiia, ele mesmo, o craque uruguaio que acabava de ser contratado pela Roma”.
No mesmo tom, fatos não muito amistosos também são tratados pelo olhar do garoto, como a atitude do mister Welsh, o professor da escola americana que “usava passar a mão na minha bunda”. E a atração pelas garotas da escola também recebem a atenção do narrador, principalmente sobre a Sandrene, com aquele “seu jeito de jogar a cabeça para trás com os cabelos castanhos despenteados”. Outro fato revisitado foi a dança com a atriz e estrela de cinema Alida Valli, mãe de um colega da escola.
Em várias passagens do romance o autor confessa o desejo de registrar em livro sua experiência na Itália; na época sua mãe o incentiva e lhe dá de presente um diário. No entanto, ele mesmo explica o que resolveu fazer com o presente e que, na verdade, é a síntese de Bambino a Roma:
“Achei melhor largar mão da ideia de um diário e deixar que o esquecimento fizesse o seu trabalho. No futuro a imaginação cobriria as lacunas da memória e os acontecimentos reais se revezariam com o que poderia ter acontecido”.
Com sua linguagem direta, objetiva, Chico Buarque envolve o leitor. Nos últimos capítulos há uma grata quebra de expectativa, o que faz com que o leitor repense toda a obra. Ou pelo menos reflita sobre os limites entre o real e a ficção.
Ficha técnica:
Título: Bambino a Roma
Autor: Chico Buarque
Editora: Companhia das Letras, 267 pgs
Preço: R$ 79,90
Fotos: divulgação
6 Comentários
Maria Ligia Pagenotto
setembro 19, 2024 @ 19:21
Adorei o texto e os comentários. Quero muito ler o livro!
Maurício Mellone
setembro 20, 2024 @ 14:28
Lígia, minha querida:
Que delícia recebê-la aqui no Favo, estava com saudades!
Tenho certeza q vc vai amar o mais recente livro do nosso querido
CHICO BUARQUE. As memórias dele da infância passada em Roma e o jeito
leve e agradável de escrever.
Beijos, obrigado pela visita, volte sempre!
ADriana Bifulco
setembro 19, 2024 @ 16:51
Que maravilha poder visitar a infância do Chico, por meio de resenha tão cheia de detalhes, Ma. E o melhor é saber que aborda tantos momentos importantes dele. Será uma das próximas leituras, com certeza!!
Maurício Mellone
setembro 19, 2024 @ 17:54
Querida:
Leia mesmo Bambino a Roma, vc vai se encantar com a literatura do Chico.
Obrigado por sua constante presença por aqui.
Beijos
Dinah Sales de Oliveira
setembro 18, 2024 @ 11:57
Maurício,
Adorei sua resenha, adorei o livro! Chico Buarque é sempre esse ‘muso’, em qualquer área em que ele se meta.
Acabei de ler o livro semana passada e comentei com a Sueli que tinha gostado demais. É comovente, histórico e social, engraçado, leve, a boa literatura de sempre que ele nos traz. Li até fora das minhas horas habituais de leitura (que, toda noite, é na cama).
Pelo Chico, “já perdemos a noção da hora…”
Beijos
Maurício Mellone
setembro 18, 2024 @ 14:37
Dinah, querida:
Que delícia receber seu comentário!
Para o Chico, perdemos totalmente a noção da hora!
Tb adorei mais este livro delicioso dele!
Obrigado por sua presença constante por aqui
Beijos