Breve balanço da 35ª Mostra Internacional de Cinema

De em novembro 10, 2011

Cartaz da edição 2011

Pena que a 35ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo já acabou. Mas graças ao olhar preciso e sensível do escritor e jornalista Zedu Lima podemos ter uma noção do que de mais importante ocorreu no evento. Zedu relembra alguns fatos curiosos desses 35 anos de Mostra e destaca os premiados e os filmes que mais lhe agradaram. Agora é torcer para que algumas dessas maravilhas entrem em circuito comercial. Ou então esperar pela próxima edição com o melhor da produção cinematográfica mundial.

Zedu Lima, escritor, jornalista e amante de cinema

História, premiados e os meus preferidos

Consegui chegar até a 35ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, recém terminada. Com exceção da edição de 1980, quando estava trabalhando em Brasília, assisti a todas. Daria até para fazer um longa-metragem com muitos flash backs.  Um deles mostraria o público compacto, comprimindo-se uns contra os outros com expressão de horror, e todos contra a porta de vidro que dá acesso ao auditório do Masp, onde seria exibido o filme japonês Império dos Sentidos, do Nagisa Oshima, que o Leon Cakoff apresentou, em 1979, como fez com muitos outros cineastas, de origens as mais diversas, e que, sem a mostra, provavelmente jamais seriam conhecidos.
Outra cena que ficou na memória é daquela mocinha, cujos gestos suaves não condiziam, graças aos estereótipos que criamos, com as tatuagens em seus braços; principalmente numa época em que tatuagem era raro até em rapazes. No intervalo entre uma sessão e outra, ela abria suavemente uma espécie de frasqueira de metal, onde estava armazenado em compartimentos, legumes e frutas com as quais se alimentava para aguentar a jornada.  Ou então, aquela senhorinha, sozinha na fila quando ainda não podia usufruir o direito de ficar na fila preferencial, pois não existia o Estatuto do Idoso. Com uma voz quase inaudível, confessou que só começou a sair de casa, onde deixava o marido, para acompanhar a mostra. Era sua única distração.
Quando vejo atualmente o público reclamar de qualquer pequena falha na legenda eletrônica, lembro que nos primórdios os filmes vinham com a legenda do país da distribuidora. E a gente fazia a maior zoada com isso: “Assisti a um filme romeno com legenda em alemão maravilhoso!”
Mas chega de saudade e vamos ao que interessa.  Desta vez consegui frear minha ansiedade e segui à risca meu propósito de ver poucos filmes; no máximo, dois por dia. E não é que cheguei a 20, sendo 17 nas sessões da mostra e três na repescagem.  Embora tentasse com afinco, as lotações esgotadas não me permitiram ver o filme turco Era uma vez na Anatólia, do diretor Nuri Bilge Ceylan, considerado por muitos o melhor filme da mostra, confirmado pelo Prêmio da Crítica.

Respirar, do diretor austríaco Karl Markovics, que recebeu o Prêmio do Júri

Dos que assisti, destaco Respirar, do diretor austríaco Karl Markovics, que recebeu o Prêmio do Júri. Um jovem adolescente está num reformatório por uma besteira que cometeu quando estava no orfanato, onde foi deixado após o nascimento. Para limpar sua barra, começa a trabalhar num necrotério e lá fica sabendo que sua mãe está viva. Vai procurá-la para saber o que rolou e acertar os ponteiros. O alemão Uma família a três, da estreante Pia Strietman, é um filme amargo que mostra como membros de uma mesma família – pai, mãe, filho e filha -, que convivem juntos durante anos, não se conhecem. É preciso acontecer uma fatalidade para que isso venha à tona.

Elena, filme russo dirigido por Andrey Zvyagintsev

O russo Elena, dirigido por Andrey Zvyagintsev, também fez bonito.  A personagem título, de origem modesta, casa em segundas núpcias com o viúvo rico e frio Vladimir, que tem uma filha moça maluquete. O filho de Elena, por sua vez, casado e com filhos, vive desempregado porque trabalhar não faz parte do seu repertório, e acha que o ‘padrasto’ tem obrigação de ajudá-lo, com a aquiescência da mãe. Quando Elena descobre que a única herdeira de Vladimir é a filha dele, arma um plano.

Oslo, 31 de agosto: o filme é uma adaptação que o norueguês Joachim Trier fez do romance francês Le feu follet

Visto por poucos, Oslo, 31 de agosto foi o filme que mais mexeu comigo. É uma adaptação que o norueguês Joachim Trier fez para os dias de hoje do romance francês Le feu follet, de Pierre Drieu La Rochelle, o mesmo que deu origem ao filme Trinta anos esta noite, do Louis Malle, que já eu comentei aqui no Favo, comparando-o com o filme Melancolia.  A sociedade é diferente, mas a angústia é a mesma.
Tirando os olhos da tela e observando o escurinho do cinema, não posso deixar de registrar o comportamento alheio (mais precisamente, a falta dele). Uma senhora entrou na sala de projeção com os créditos iniciais do filme sendo projetados, quase se sentou no meu colo e começou a chamar em altos brados pela filha Laura. Quando a Laura chegou, a primeira coisa que fez foi abrir, produzindo aquele estampido característico, uma latinha de refrigerante e, obviamente, acionou o celular. De repente eu ouço um cleq, cleq, cleq. Achei que fosse algum problema no aparelho de ar condicionado do cinema. Olho à minha esquerda e vejo a mãe da Laura se abanando com um enorme leque como uma dançarina de flamenco.  Só faltou tirar as castanholas da bolsa e sair taconeando pela sala escura.
E os meus queridos velhinhos, do qual faço parte, por que eles se recusam terminantemente a formar fila, mesmo a especial? Preferem ficar amontoados em frente à catraca, ansiosos, como se fossem botar o bloco na rua.
E assim caminha a humanidade.

Zedu Lima


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