De em dezembro 21, 2011
O escritor, jornalista e agitador cultural Zedu Lima faz uma retrospectiva, ou melhor, uma seleção do que melhor ele pode acompanhar no mundo das artes em 2011, em São Paulo. Ele relaciona desde espetáculos de dança e teatro, até seus filmes preferidos, CDs recomendados e livros importantes lançados neste ano. Fica evidente nas escolhas do jornalista, sua visão aguçada sobre a produção artística contemporânea. Se você não pode acompanhar tudo o que Zedu relaciona em sua resenha, tente se inteirar e procurar pelas obras indicadas. Agradeço muito a colaboração deste amigo e espero contar com sua perspicácia e sensibilidade neste Favo em 2012. Boa leitura e deixe sua opinião sobre esta retrospectiva 2011.
Antes que os ventos de 2011 se esvaem
Aqui estou mais uma vez invadindo este Favo a pedido do seu apicultor, que me solicitou uma retrospectiva do que vi, ouvi e li em 2011. Retrospectiva seria muita pretensão da minha parte, pois, por mais que me esforçasse, não tive condições de vivenciar tudo o que foi oferecido nas artes e literatura neste ano que está dizendo adeus.
Terminei 2011 dançando. Não literalmente, mas me emocionando com os movimentos dos bailarinos de diversas nacionalidades que compõem o grupo suíço Alias, dirigido pelo coreógrafo brasileiro Guilherme Botelho, há 30 anos fazendo carreira na Europa. Uma das atrações da 11ª edição do Panorama Sesi de Dança/ Dez 2011, com curadoria de Ana Francisca Ponzio, o grupo apresentou duas coreografias completamente diferentes. A primeira, Le Poids des Éponges (O peso das esponjas) utiliza os recursos do teatro-dança, numa sequência de cenas inusitadas, em que o non sense se instala. No decorrer da apresentação, tipos variados vão se sobrepondo em situações inesperadas. No final, uma chuva desaba sobre o palco e todo o elenco, com roupa de banho, ‘nada’ nas raias de uma piscina hipotética.
A segunda coreografia, Sideways Rain, valoriza mais a dança em si, com movimentos vigorosos dos bailarinos, que atravessam o palco ininterruptamente, ora correndo, ora andando, caindo, se erguendo. Às vezes parecendo animais que evoluem para o homem atual, sempre em busca de alguma coisa (o que?), evitando qualquer possibilidade de se comunicar com o próximo. Encantado com o que vi, perguntei ao coreógrafo e fundador do grupo porque eles ainda não tinham se apresentado no Brasil. “Por que nunca nos convidaram”, foi a resposta, o que nos leva a solicitar aos promotores e instituições culturais do país corrigir essa falha.
Ainda dentro dessa programação, Antonio Nóbrega foi outro ponto alto. Confesso que não gostava muito dele – até fugia de seus trabalhos -, mas eis que, ao final da apresentação de Naturalmente – Teoria e Jogo de Uma Dança Brasileira estava eu aplaudindo enfaticamente, com lágrimas nos olhos. Com a colaboração de uma super banda e duas bailarinas fantásticas, ele elabora a gênese, a essência e o desenvolvimento da dança brasileira popular, com uma leitura contemporânea. E pela minha mente passaram as senzalas, os terreiros, as festas de rei, o Carnaval do Recife, a gafieira. Tudo muito sucinto e magnificamente demonstrado por ele e suas excelentes companheiras. Não é à toa que a revista Bravo! escolheu Naturalmente como o melhor espetáculo de dança produzido no Brasil na primeira década do século 21. Aliás, deveria ser incluído como aula inaugural no currículo dos cursos de ensino médio, para essa garotada não achar que o funk e o hip hop são as únicas manifestações de dança no País.
Não poderia deixar esse palco sem fazer um pas de deux com o Grupo Corpo, que comemorou seus 35 anos, apresentando no começo de agosto, no Teatro Alfa, a nova coreografia Sem Mim. Mais introspectivo que os anteriores, com movimentos rentes ao chão e ondulados numa referência ao mar, culminando com um casal de bailarinos dançando sob uma rede cenográfica de pescador. A trilha sonora, de Zé Miguel Wisnik e do basco Carlos Nunes, baseada nas canções de amigo do compositor Martín Codax, datadas de meados do século XIII e XIV, são interpretadas por Milton Nascimento, Chico Buarque, Na Ozzetti, Rita Ribeiro entre outros.
Palco, tela e acordes
Duas peças me chamaram muita atenção neste ano. Coincidentemente, de dois jovens dramaturgos e diretores, que já conquistaram corações e mentes dos críticos e do público. Com uma narrativa fragmentada, Savana Glacial, de Jô Bilac, mostra a tentativa de recomeço do relacionamento de um casal. Mas até que ponto aquelas situações são reais ou são fruto da imaginação do marido, um escritor? Cenas que beiram o teatro do absurdo permeiam algumas passagens, numa montagem em que a cenografia é mínima.
Já em O Jardim, do dramaturgo e diretor mineiro Leonardo Moreira, o palco é dividido em três ambientes por paredes de caixas de papelão para contar simultaneamente situações de uma mesma família, desde 1938 até os dias atuais. Cada trama é exibida para três plateias, posicionadas em ângulos diferentes na mesma sala. Assim que terminam suas cenas, os atores mudam de posição no palco, em uma espécie de carrossel.
Um ano que mostrou um filme de Woody Allen e outro de Pedro Almodóvar já está de bom tamanho. Além da crítica ao exacerbado consumismo norte-americano, Allen mostra em Meia-Noite em Paris que nosso tempo é o que estamos vivendo, por mais tentador que pareça ter sido o passado.
O hábito não faz o monge, assim como o corpo aparente da modelo transsexual Lea T não é o dela. Essa pode ser uma das leituras de A Pele que Habito, do Almodóvar. Mas o filme tem muito mais: suspense, machismo, erotismo, apresentados com extremo rigor visual.
Atualmente não se pode falar de bom cinema sem citar o argentino, e este ano fomos brindado com Um Conto Chinês, dirigido por Sebastián Borensztein e com o ator fetiche da Argentina Ricardo Darin. Mas para mim, o filme do ano é Melancolia, do Lars Von Trier. Para dizer por que, recorro às palavras do crítico de cinema Luiz Zanin Oricchio, ao comentar o lançamento do filme em dvd (Caderno2 – O Estado de S. Paulo – 18/12/2011): “Já se chamou a depressão de mal do século. Porém, Von Trier não fala nem de depressão, mas de melancolia, o termo ancestral da tristeza sem objeto, do sujeito perdido de si mesmo”.
Do cinema nacional, fico com: Meu Pais, dirigido por André Ristum, com Rodrigo Santoro, Cauã Reymond e Débora Falabella, em estado de graça. Gosto dessas narrativas que evidenciam que, mesmo vivendo numa mesma família, seus membros não se dão ao trabalho de se conhecerem; é preciso que algo trágico aconteça para que essa descoberta venha à tona e o relacionamento se desenvolva.
O outro é uma produção mais modesta, mas nem por isso mesmo emocionante. Trata-se de Riscado, dirigido por Gustavo Pizzi. Relata a trajetória de uma “atriz-faz-tudo”, interpretada pela excelente Karine Teles, que se depara com a grande chance de sua vida: um convite para ser a personagem principal em uma produção franco-brasileira, baseada na Carmem Miranda. Depois de lagar tudo o que estava fazendo e entrar de cabeça no projeto, puxam-lhe o tapete e o seu papel vai para uma atriz francesa. Para ela sobra apenas a figuração como uma corista.
O sentimento que tive ao assistir Naturalmente do Antonio Nóbrega, foi o mesmo ao ouvir o cd Canteiro, do pianista e compositor André Mehmari. São quase trinta canções compostas por ele, permeando toda a vertente do cancioneiro brasileiro. Frevo, choro, valsa, baião, xote, interpretadas pelo próprio, por Mônica Salmaso, Na Ozzetti, Jussara Silveira, o português Antonio Zambujo, em primorosos arranjos musicais.
Feito pra acabar, álbum de estréia do compositor e cantor Marcelo Jeneci, e E a gente sonhando, em que Milton Nascimento resgata os tempos do Clube de Esquina, cantando ao lado de jovens talentos de Minas Gerais, são os outros discos que completam minha seleção musical de 2011.
Na estante
Se há uma coisa que fiz muito neste ano foi ler. Li tanto que seria necessário escrever um capítulo à parte, mas vou abrir as páginas de apenas dois livros. Em Orgia o poeta e dramaturgo argentino Túlio Carella relata sua vivência no Recife, onde residiu entre 1960 e 1962, quando lecionou teatro na Universidade Federal de Pernambuco. Para fugir à solidão proporcionada pelo isolamento que seus colegas acadêmicos brasileiros o deixaram, ele busca a companhia de anônimos populares em inúmeras aventuras sexuais (homossexuais em sua maioria). “Aqui se encontra sem véus o rosto gracioso e, ao mesmo tempo austero, do desejo, do cego instinto sexual; tudo é força erótica, contato corporal. Vênus deitada, Urano nas esquinas”, constata. E é através desses contatos eróticos que ele desvenda a realidade socioeconômica do Nordeste brasileiro: suas mazelas, a diferença de classes, o trabalho semi-escravo, o poderio dos coronéis. Esse achado vem ao encontro das teses defendidas por outro escritor argentino, contemporâneo, Federico Andahazi, autor da trilogia História Sexual dos Argentinos, o que ressalta a atualidade de Orgia. Em entrevista para o jornalista Ubiratan Brasil (Caderno2, O Estado de S. Paulo de 27/05/2011), Andahazi afirma: “Não se pode compreender a história de um país se não à luz de sua sexualidade”
Se você é daqueles que quando vê Marilyn Monroe imediatamente a associa à loira burra, vai levar o maior susto quando ler Fragmentos – Poemas, Anotações Íntimas e Cartas de Marilyn Monroe, lançado este ano pela editora Tordezilhas, com um projeto gráfico impecável. Nele você vai conhecer uma Marilyn que jamais pudesse imaginar que existiu. Além de revelar a leitora voraz de grandes autores modernos (Hemingway, Dostoievski, Beckett, Freud), mostra-se a autora de poemas, como este: Vida – / Eu sou de ambas as suas direções / De alguma forma permanecendo de cabeça para baixo / na maior parte / mas forte como uma teia de aranha / no vento / – eu existo com a geada fria e cintilante / Mas os meus raios borbulhantes têm as cores que / vi nas pinturas / – ah vida eles / traíram você. Em suas anotações, mostra o pavor de não atingir a perfeição ao interpretar uma personagem: Medo de me dar as novas falas / talvez eu não seja capaz de aprendê-las / talvez eu cometa erros / as pessoas vão pensar que não sou boa / ou vão dar risadas e me rebaixar / ou vão pensar que não consigo atuar.
Eu, particularmente, nunca acreditei na burrice fabricada de Marilyn. E isso ficou mais evidente quando, em 2008 fui à exposição das últimas fotos que ela tirou quase dois meses antes de morrer. Escrevi até uma crônica a respeito, incluída no livro que pretendo lançar brevemente.
Zedu Lima
10 Comentários
Israel
dezembro 30, 2011 @ 14:38
Zedu,
sou suspeito para comentar. Além de fã e amigo, sou leitor de seus textos e utilizo seu livro “Na medida certa da boa educação” em meus treinamentos de vendas (Foi extamente ao ler este livro que percebi como o fator humano é essencial e imprescindível em tudo que nos rodeia). Sou apaixonado por dança e sonho em fazer sapateado. Ainda não tive a oportunidade de assistir o Antonio Nóbrega. Como sempre trabalhei na parte de música das livrarias de Sampa, atendi o António várias vezes.
Adoro Almodóvar, tenhos todos os seus filmes, achei ” A Pele que Habito” sensacional mas, meu preferido é Volver. Amor ou ódio, Woody Allen, adorei as músicas do filme “Meia-Noite em Paris”. Pra mim, os filmes do ano são: ‘Um Conto Chinês” e “O Palhaço”. Quero comprar vários dvds destes dois filmes para presentear as pessoas que gosto. Ricardo Darin e Selton Mello colocaram na tela vários momentos que passamos no dia-a-dia durante toda a nossa existência. O show do ano foi “Feliz daquele que sabe sofrer”. Com direção musical de Fábio Tagliaferri, apresentação de Luiz Tatit e interpretação de Ná Ozzetti, Arrigo Barnabé e Renato Braz – homenagem ao centenário de nascimento de Assis Valente e Nelson Cavaquinho.
Em dvd, a medalha de ouro fica para o show da australiana, Kylie Minogue – “Aphrodite Les Folies Tour 2011”. Simplesmente inacreditável ! Cd nacional, não lembro nenhum, destes últimos lançamentos, que me agradou muito. Fico com Adele – 21. Livros, no momento, só os de conscurso público.
Israel
Maurício Mellone
dezembro 30, 2011 @ 14:41
Israel:
Uau! Vc também agitou muito no mundo das artes neste ano, assim como nosso amigo Zedu.
Obrigado pela visita e volte sempre: prometo boas indicações culturais!
Seu comentário também vai servir como outro indicativo dos melhores nas artes em 2011!
Abr
Nina Marciano
dezembro 23, 2011 @ 23:51
Meu caro ‘agitador cultural’, que bela retrospectiva-análise. Pena que não vi nem metade do que vc cita. Mas quando crescer quero ser igual a vc. O destaque para o ‘Conto Chino’ é mais que merecido. Esse + ‘Medianeras’ e + ‘Meia-noite em Paris’ são os melhores (dos que me lembro, claro). Promessa para o próximo ano: ir mais ao cinhema e ao teatro. E aproveitando o espaço, um super 2012 pra todos vcs. Grande abraço (especial para o Maurício)
Maurício Mellone
dezembro 26, 2011 @ 14:40
Nina:
Obrigado pelo carinho e por sua frequência e incentivo!
O Zedu é mesmo um agitador cultural! Adorei as indicações dele:
como fiz isto o ano todo, nesta retrospectiva os leitores puderam
conhecer outra visão da produção cultural da cidade em 2011!
Bjs e espero contar com suas visitas no ano novo!
Diana Aflalo
dezembro 23, 2011 @ 14:31
Zedu, orgulhosa de voce!
Adorei tintim por tintim sua resenha de 2011 – inserido em todas as áreas, voce não perdeu nada… inveja branca!
Uma das meninas na foto do Nóbrega é filha do mestre. Tenho altas lembranças dos tempos que eu fazia aulas de dança com a mulher dele lá no Brincante.
Ponto pra Melancolia – concordo contigo. Woody tb foi supremo.
Que venha 2012 com muito mais pra todos nós!
super beijo
Diana
Maurício Mellone
dezembro 23, 2011 @ 14:34
Diana:
O Zedu foi preciso na seleção do que de melhor
aconteceu no mundo das artes nesse ano em Sampa.
Que bom q vc gostou: volte sempre, terei o maior prazer
em receber sua visita. Prometo dicas “quentinhas” da
programação cultural da nossa cidade.
bjs e um ótimo 2012 pra vc!
Cristina Souza
dezembro 22, 2011 @ 18:46
Zedu
Mesmo gostando muito de dança, dos espetáculos relacionados por vc só vi o Grupo Corpo, maravilhoso como sempre.
Do cinema, que é mais minha praia, e falando em filme argentino eu acrescentaria o belo thriller O DESAPARECIMENTO DO GATO do diretor Carlos Sorin que assisti na Mostra.
Outro que recomendo é O DIA EM QUE NÃO NASCI, (Alemanha/ Argentina)
do diretor e roteirista Florian Nicoud Cossen.
Concordo plenamente com vc, se eu fosse eleger apenas um seria MELANCOLIA.
Maurício Mellone
dezembro 23, 2011 @ 14:29
Cristina:
Também gostei muito da seleção do Zedu, um expert! rsrs
Como indiquei espetáculos durante todo o ano, o blog ficou mais
“enriquecido” com as dicas e indicações do nosso amigo!
Obrigado pela visita e volte sempre!
bjs
Dinah Sales de Oliveira
dezembro 22, 2011 @ 14:57
Maurício,
Ótima a retrospectiva do Zedu Lima, seu amigo – e agora, meu amigo também, com quem ‘dancei sincronizada’ em algumas apresentações do Panorama SESI de dança – com o qual ele inicia a viagem cultural do ano e que bem merece bis e BRAVO!
Concordo com as escolhas dos 2 filmes (Meia-Noite em Paris e A Pele que Habito) para figurar entre as melhores películas de 2011, mas fiquei devendo a mim mesma espetáculos de teatro e não li os mesmos livros que ele.
Aceito essa parte como dica!
um beijo,
Dinah
Maurício Mellone
dezembro 22, 2011 @ 15:15
Dinah:
Como disse na abertura, é a escolha dele. Para o blog, adorei a ideia, pois amplia
as possibilidades do leitor de conferir as indicações (além das feitas no decorrer do ano, geralmente
com o meu crivo.)
bjs e obrigado pelo incentivo e frequência constante!