De Maurício Mellone em junho 12, 2019
Mesmo num momento tumultuado em que vivemos, com a cultura mais uma vez desprezada pelos governantes, os artistas não se abatem. Prova disto é a atitude do Instituto Cultural Capobianco, que abriu suas portas para duas produções de dramaturgos brasileiros contemporâneos, ambas inéditas.
O ator Marcelo Varzea assina texto e direção de Dolores, um monólogo com Lara Córdulla sobre uma atriz de 50 anos que resolve convidar a imprensa e alguns amigos para fazer um balanço de sua vida artística e amorosa. Já o paraense Denio Maués com Em caso de emergência quebre o vidro, com direção de Fábio Mráz, apresenta um casal, vivido por Lívia Ziotti e César Cantão, que depois de oito anos de separação se reencontra em São Paulo; a questão é se eles irão conseguir superar mágoas, ressentimentos e as mudanças acarretadas pelo tempo de afastamento.
Numa definição lúdica e poética, a peça de Varzea poderia ser Dolores e suas dores de amores. Pois é o que aquela atriz, já com uma boa experiência de vida, faz. Ao receber os amigos, convidados e jornalistas, ela abre o coração e inicia o relato de suas experiências pessoais e profissionais, contando sobre sua infância no circo, as mudanças em função dos vários casamentos do pai, a ida da mãe para a Europa, a relação com as madrastas, seu primeiro grande amor e a consequente primeira desilusão amorosa, as atividades profissionais e principalmente seus inúmeros desencontros no amor. Se há ou não exagero nos relatos, o espectador irá julgar, já que está diante de uma atriz.
“Dolores, que convida jornalistas para assistir a uma única apresentação de O Último Suspiro de Uma Atriz, está cansada da carreira e resolve recontar suas memórias aproveitando o ensejo pra sair de cena em grande estilo, passeando por todas as cores que uma artista pode usar, colocando as suas verdades à mesa. Será? Ela é uma atriz. Perderia uma plateia ilustre e a oportunidade de ter um foco mirado nela?”, questiona Marcelo Varzea.
Com um elegante figurino assinado por Marcio Macena, Lara Córdulla está muito à vontade em cena e mostra sua versatilidade e domínio cênico — vai do riso às lágrimas num átimo. Como no solo não há com quem contracenar, os elementos de cena tem papel fundamental. No caso de Dolores, a iluminação, assinada por Cesar Pivetti e Vânia Jaconis, e a trilha sonora de Raul Teixeira conduzem a narrativa. Montagem sensível e envolvente.
A dor do amor
O tema permanece na montagem dirigida por Fábio Mráz, já que o casal (identificado por Ele e Ela) ao se rever depois de anos de afastamento só traz à tona decepções e tristezas. A trama começa com o encontro deles no metrô: Ela acaba de chegar de Londres e quer rever o antigo namorado, que não quis acompanhá-la. Ele não só ficou em São Paulo como permanece no mesmo emprego, uma loja de discos especializada em rock inglês. Além das feridas no coração, Ele agora usa perna mecânica: ao fugir de uma gang, pulou do trem e perdeu a perna. Por sua vez, a garota também está ressentida, já que o namorado inglês a deixou para ir para a guerra. Tanto o rapaz como a garota têm dificuldades de reatar a relação.
“O reencontro do casal revela que muito do amor que um sentiu pelo outro ainda persiste, embora transformado pelas situações de cada um hoje. O texto não retrata uma época específica, mas toca em assuntos atuais e levanta provocações como: em uma relação a dois, permitem-se sonhos individuais? E qual o lugar destinado aos afetos? Os personagens vivem as consequências de cada escolha feita”, esclarece Fábio Mráz.
Com uma montagem enxuta (60 minutos apenas), o espetáculo provoca uma reflexão sobre a relação amorosa nos dias atuais, em que há tantas oportunidades e atrativos que podem dispersar um relacionamento mais profundo. Destaque para a sintonia em cena de Lívia e César e pelo criativo jogo cênico proposto pela direção.
Roteiro:
Dolores. Texto e direção: Marcelo Varzea. Elenco: Lara Córdulla. Direção de movimento: Erica Rodrigues. Assistente de direção: Tadeu Freitas. Preparação corporal: Frank Tavanti. Cenário e figurino: Márcio Macena. Iluminação: Cesar Pivetti e Vania Jaconis. Trilha sonora: Raul Teixeira. Fotografia: Wilian Aguiar. Visagismo: Anderson Bueno. Design gráfico: Igorbdm.com. Realização: Mava Prod. Artísticas.
Em caso de emergência quebre o vidro. Texto: Denio Maués. Direção e cenário: Fábio Mráz. Assistente de direção: Henrique Pina. Elenco: Lívia Ziotti e César Cantão. Figurinos: Lívia Ziotti. Iluminação: Adriana Dham. Trilha: Igor Souza. Fotografia: Raquel Pessoa. Produção: Patrícia Gordo.
Serviço:
Instituto Cultural Capobianco (74 lugares), Rua Álvaro de Carvalho, 97, tel. 11 3237-1187.
Dolores: Horários: terça e quarta às 21h. Ingressos: R$ 40. Duração: 60 min. Classificação: 14 anos. Temporada: até 14 de agosto. Em caso de emergência quebre o vidro: Horários: sábado às 21h e domingo às 19h. Ingressos: R$ 40. Duração: 70 min. Classificação: 14 anos. Temporada: até 28 de julho.
2 Comentários
Fabio Teixeira Mraz
junho 12, 2019 @ 12:25
Obrigado querido Mau.
Pelas palavras e pela generosidade.
Bjs
Maurício Mellone
junho 13, 2019 @ 08:41
Fábio, querido:
até então vc participava aqui no Favo
como espectador. Mas agora é o artista (ator e diretor teatral)
quem vem me visitar!
Parabéns por sua criativa direção na peça do Denio Maués.
Sucesso na temporada e volte sempre, como espectador e como artista!
bjs