De Maurício Mellone em janeiro 16, 2012
Na última sexta-feira vivi uma experiência enriquecedora: estar diante de uma nova leitura de um clássico da dramaturgia mundial, recentemente revisitado por outra trupe teatral. Trata-se de Os Credores de August Strindberg, que em junho passado ganhou uma versão pelas mãos de Elias Andreato, Cruel, com Reynaldo Gianecchini, Erik Marmo e Maria Manoella nos papéis que na montagem atual de Eduardo Tolentino são interpretados por Sergio Mastropasqua, José Roberto Jardim e Chris Couto.
As mais variadas leituras que uma obra de arte propicia é o que cativa o espectador. Estive presente na estreia de Cruel (resenha publicada aqui no Favo em 28 de junho de 2011) e também na de Os Credores, no Viga Espaço Cênico. Minha satisfação foi imensa em constatar as diferenças e novas soluções encontradas para o mesmo texto escrito no final do século XIX. Se, de um lado, há visões diversas ou complementares nas duas montagens, de outro lado o cerne do pensamento de Strindberg é devidamente discutido tanto na montagem de Andreato como na de Tolentino; a alma humana é dissecada por meio da discussão de questões do cotidiano de um casal, como separação, traição, ciúme, sentimento de posse.
O diretor do Grupo Tapa ambientou a trama num hotel de veraneio. O público ao entrar na sala de espetáculo já se depara com Gustavo (Mastropasqua) e Adolfo (Jardim) na sauna do hotel. Traído por Tekla (Chris) que o deixou para ficar com Adolfo, Gustavo cria uma cilada que o frágil amigo cai como um cordeirinho. Passando-se por confidente, Gustavo convence o outro que fidelidade não é o forte de Tekla. Com problemas de locomoção, Adolfo aceita fazer um teste com a esposa, deixando o amigo no quarto ao lado, à espreita. Depois do desentendimento do casal, Gustavo — usando da mesma armadilha de deixar Adolfo no quarto ao lado — aparece para Tekla e a seduz. Vingado, o ardiloso Gustavo parte sabendo que o fim trágico para aquele casal era iminente.
Credor literalmente é aquele que concedeu algo a alguém e volta para cobrar a dívida. Em Os Credores, Strindberg é corrosivo e leva às últimas consequências o significado do título de sua obra: “Essa é uma peça que se aprofunda nos dilemas entre os personagens, que expõem seus conflitos. É uma espécie de cirurgia nas relações afetivas dos três personagens”, diz Eduardo Tolentino.
Em razão da própria instalação da sala do Viga que possibilita uma proximidade muito grande entre atores e plateia, o que me chamou mais a atenção desta montagem foi a interpretação dos atores. O jogo cênico entre Gustavo, Adolfo e Tekla é eletrizante e Sergio Mastropasqua vive um grande momento de sua carreira ao dar vida ao ardiloso e vingativo marido traído.
Fotos: Camila Miranda
8 Comentários
roman
julho 19, 2017 @ 21:57
Oi Gente, estou fazendo uma visitinha por aqui.
Gostei bastante do site, vou ver se acompanho toda semana suas postagens
Gosto muito desse tipo de conteúdo um Abraço 🙂
Maurício Mellone
julho 20, 2017 @ 10:32
Roman,
que ótimo, vou ter o maior prazer
em recebê-lo.
Posto semanalmente resenhas de teatro, cinema, artes plásticas
Muito obrigado pelos elogios, volte sempre e, se puder,
ajude-me a divulgá-lo
abrs
Antônio Ricardo Miranda Júnior
janeiro 20, 2012 @ 12:51
Assisti o espetáculo ontem e ainda estou digerindo-o. Falando como leigo, que apenas há pouco tempo descobriu o teatro e que não conhecia Strindberg, muito menos a peça “Os credores” – por isso peço benevolência às possíveis bobagens que disser, acho que o foco principal não é a dissecação da alma humana por meio da discussão do casal Tekla e Adolfo. O que, pelo menos para mim, é o grande núcleo da obra é a vingança do ex-marido. Acho que ele é o personagem principal e é a sua motivação psicológica e sua engenhosidade na execução da vingança que está em primeiro plano. A atuação dos atores é impecável, mas, sem dúvida, a atuação do Mastropasqua é digna de todos os elogios. Adorei a casa (Viga Espaço Cênico) e fomos muito bem recebidos, principalmente pelo Arnolfo, que foi muito gentil e acolhedor.
Maurício Mellone
janeiro 20, 2012 @ 15:10
A.Ricardo:
Que bom q vc é mais um admirador da arte dramatúrgica e, por conseguinte, fã de Strindberg.
Dissecar a alma humana, que me referi na resenha, é justamente por intermédio da ação do marido traído.
Ele, por ciúme e orgulho ferido por ter perdido a esposa para um homem mais novo, faz toda a articulação
de vingança; passa-se por amigo e confidende daquele que lhe “roubou” a mulher para depois
chegar até ela e a seduzir novamente. A manipulação que ele provoca na vida e na alma do casal
é o que chamei de dissecação da alma.
Fico muito contente por vc ter se aproximado do teatro e, principalmente, do teatro dos grandes e
imprescindíveis dramaturgos, como Strindberg.
obrigado pela visita e volte sempre
abrs
Antônio Ricardo Miranda Júnior
janeiro 20, 2012 @ 16:31
Maurício, já marquei seu site como “favoritos”. Ganhou um leitor atento e interessado. Obrigado pela oportunidade de expressar minha opinião de novato aqui em seu espaço. Abraços e até a próxima.
Maurício Mellone
janeiro 23, 2012 @ 12:22
Antônio Ricardo:
Fico muito contente de vc ter gostado do Favo e o ter colocado entre seus favoritos!
Volte sempre, dicas quentinhas da produção cultural da ciadade estarão aqui para te orientar!
abr
José Roberto Jardim
janeiro 19, 2012 @ 14:39
Oi, Mauricio.
Obrigado por ter ido nos assistir e, principalmente, pela ótima critica que escreveu.
Não digo “ótima” apenas por elogiar a nossa montagem, mas pela forma como você construiu o texto, ressaltando os temas primordiais buscados por Strindberg, pelo Tolentino, assim como por nós, os atores… E tudo a luz da constante e infinita dor em compreender o outro.
Também concordo contigo, acho que Sergio Mastropasqua está num momento sublime. Um ator que merece ser olhado e reverenciado pela qualidade e seriedade que sempre demonstra em seus trabalhos, especialmente no nosso Credores, onde tudo se torna claro e obviamente forte quando feito por ele.
Mais uma vez obrigado pela atenção e generosidade para com o nosso espetáculo… repassarei aos outros do elenco, produção e para o Tolentino… Um grande abraço…
Zé Roberto
Maurício Mellone
janeiro 19, 2012 @ 14:42
Jardim:
Eu que agradeço pela atenção e carinho que dedicou ao meu trabalho aqui no Favo.
Parabéns e vida longa a Os Credores!
abr e muito obrigado novamente!