De Maurício Mellone em novembro 1, 2016
Com uma montagem concisa e de extrema sensibilidade, Espelhos, em cartaz na Oficina Oswald de Andrade, com entrada gratuita, reúne dois contos de mesmo nome, O Espelho. O primeiro de Machado de Assis é de 1882 e o segundo, escrito por Guimarães Rosa 80 anos depois. Em ambos os textos os dois mestres da literatura brasileira dissecam a alma humana, construindo e desconstruindo o ‘eu’ através da imagem refletida no espelho. O espetáculo solo com o ator Ney Piacentini é o resultado de extensa pesquisa e tem direção Vivien Buckup.
“Foi pesquisando críticas e estudos sobre o texto de Machado que chegamos ao conto homônimo de Guimarães Rosa. Era o que faltava para completar o espetáculo: estávamos diante de dois momentos do Brasil, tão diferentes na forma quanto complementares para o que buscávamos”, explica a diretora.
Num espaço bem intimista (apenas 50 lugares), e com cenário de poucos elementos criado por Marisa Bentivegna (tapete, escrivaninha, duas cadeiras e quatro luminárias) é que o ator dá início ao espetáculo, primeiramente lendo o conto; em seguida passa a dar vida ao personagem Jacobina, do conto machadiano, que relata a quatro amigos uma experiência que viveu, dizendo que temos duas almas:
‘Cada criatura humana traz duas almas consigo: uma que olha de dentro para fora, outra que olha de fora para dentro…”
O personagem argumenta como estas duas almas se inter-relacionam e como uma interfere na outra. E é de maneira sutil e natural que a montagem introduz a visão de Guimarães Rosa sobre o mesmo tema. Com a intenção de construir e ao mesmo tempo desconstruir o ‘eu’ refletido na imagem do espelho que ator passa a dar voz ao personagem de Rosa. O ator vai aos poucos tirando todo o figurino — como se descolasse uma pele da outra ou espelhasse duas imagens —, assim como retirando todos os elementos cênicos à medida que avança nos argumentos do personagem.
“As horas batiam de século a século no velho relógio da sala, cuja pêndula tic,tac, tic-tac feria-me a alma interior, como um piparote contínuo da eternidade. Anos depois li uma poesia americana e topei com este estribilho ‘Never, for ever! For ever, never!’ Era exatamente assim que fazia o relógio da tia Marcolina. Não eram golpes de pêndula, era um diálogo do abismo, um cochicho do nada”.
A síntese do conto — e da montagem — é sobre a relevância da existência humana. Em apenas 50 minutos, o espectador é transportado tanto para o universo machadiano do século XIX como para o ideário de Guimarães Rosa, da metade do século XX, em que se discute a importância da vida, num momento tão crucial do Homem do século XXI. Como o ditado popular, ‘os olhos são a janela da alma’, Ney Piacentini prende a atenção do público com seu olhar expressivo e cativante. Sem dúvida um espetáculo irrepreensível, de uma delicadeza incomum! E melhor de tudo: os ingressos são gratuitos. Só até o dia 19 de novembro, de quinta a sábado. Não perca!
Fotos: João Caldas
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