De Maurício Mellone em fevereiro 26, 2013
Depois do sucesso de Savana Glacial, espetáculo criado em parceria com o dramaturgo Jô Bilac, a Cia carioca Físico de Teatro volta a se apresentar na cidade. Com a mesma estrutura do trabalho anterior, Fã-Clube — em cartaz no SESC Consolação, Espaço Beta, somente quintas e sextas — é o resultado da criação coletiva do grupo; desta vez a dramaturgia de Keli Freitas é inspirada no livro O fã-clube, de Irving Wallace e os três atores, Camila Gama, Igor Angelkorte e Renato Livera (responsável pela direção), assinam o argumento dramatúrgico.
Num ambiente caótico e claustrofóbico, o público é orientado a entrar na penumbra, ao som de goteiras. O espetáculo inicia com as vozes de dois homens em plena escuridão, tentando consertar a caixa de luz. Superado o problema, vê-se uma mulher de costas, que os convida para um jogo de cartas. Numa situação nada convencional, aos poucos o espectador compreende que aquela mulher é uma atriz de teatro, pouco conhecida, que está presa depois de ter sido sequestrada. A trama se desenrola, portanto, no cativeiro e o que se discute é a conturbada relação criada entre dois obcecados admiradores e uma atriz.
O que mais me chamou a atenção em Fã Clube é a forma de conduzir a trama: de maneira não linear, com cenas se repetindo, o espectador vai montando, como um quebra-cabeças, a história daquele sequestro. A grande discussão proposta pela peça é como princípios e valores éticos e morais são desestruturados e postos em xeque em circunstância que envolva risco de vida. Qual o sentimento que leva um admirador a praticar uma violência ao seu ídolo? Em que momento a sequestrada passa a amar seu opressor?
A peça levanta este paradoxo amoroso (sequestrada e sequestrador ou vítima e algoz): o que eles sentem é amor ou obsessão? No encarte do espetáculo, a dramaturga lança outras questões sobre o enredo:
“Sobre o amor. Esse sequestro. Esse vazio. Sobre o amor? Quanto tempo ainda temos? Sobre o olhar. É sobre o olhar. Manter, conservar, danificar. O que torna uma pessoa desejável? Qual é a causa do desejo? A realidade das coisas. Penetrar sob a quieta aparência da assim chamada realidade das coisas. Me achei. Me confundi”, diz Keli Freitas.
A cena em que os dois sequestradores descrevem o processo de empalhação de animais é o ponto crucial do espetáculo: a atriz é tratada como coisa, assim como os animais quando sofrem o processo de empalhação? Também somos coisa neste mundo conturbado, tecnológico e impessoal dos dias de hoje? São questionamentos propostos pela Cia Físico de Teatro em Fã Clube.
Destaque para a interpretação envolvente dos atores — Camila, Igor e Renato estão em perfeita sintonia em cena — e para cenografia (assinada por André Sanches) e iluminação (Renato Machado), que contextualizam a trama.
Fotos: Álvaro Riveros
4 Comentários
Marlon albuquerque
março 4, 2013 @ 15:18
Amigo parabens pelo blog, conte comigo para p que precisar.
Grande abraço!
MARLON DE ALBUQUERQUE
Maurício Mellone
março 4, 2013 @ 21:48
Marlon:
Obrigado pela força e volte sempre.
abr
Igor Angelkorte
fevereiro 27, 2013 @ 17:46
Maurício!
Que delícia tua análise!
Como toda trupe passamos alguns meses em salas de ensaios levantando essas questões.
Discutindo sobre amor, obsessão, coisificação do outro, arte…
Muito bom ter um retorno sincero de como o trabalho chegou para você.
Sempre nos tira do escuro, daquela sensação do: o que eles tão absorvendo disso tudo? E para além da pura reflexão, estão se entretendo com nossa arte?
Obrigado pelo carinho!
Todos estão convidados!
Um abraço, Igor.
Maurício Mellone
março 1, 2013 @ 14:09
Igor:
Muito obrigado por sua atenção em deixar aqui seu comentário sobre a resenha.
Fiquei muito contente em saber que pude auxiliar vcs da equipe de Fã-Clube
com o meu feed-back!
Parabéns e sucesso!
abr