De em outubro 9, 2011
Plateia do Teatro Raul Cortez lotada (com cadeiras extras). Informes iniciais quase sussurados. Silêncio respeitoso. Pronto, o rito do teatro estabelecido. Ouvem-se somente passos. Uma cadeira, focos de luz das duas extremidades do palco e outro na cadeira. Fernanda Montenegro entra, senta-se. Viver Sem Tempos Mortos começa. São 60 minutos, mas o bastante para Fernanda de Beauvoir ou Simone Montenegro discorrer uma vida. E não uma vida qualquer. A trajetória da vida de uma mulher intensa. Da criança de uma família burguesa da França, que com a dificuldade financeira dos pais, tinha como distração somente os livros. Estes, companheiros inseparáveis, que contribuíram para a formação de Simone de Beauvoir, uma professora, escritora, ensaísta que revolucionou o pensamento da Humanidade em meados do século 20.
Só a magia do teatro possibilita esse mistério: uma atriz, numa estrutura mínima e simples, faz com que uma imensa plateia em apenas uma hora possa mergulhar e viajar no tempo, conhecendo a rica e polêmica existência de Simone de Beauvoir, “uma das pensadoras mais influentes do século 20”, como a própria Fernanda a define.
A mulher que se vê retratada no palco não é a idealizada ou ficcional. Tendo como base as correspondências e escritos de Simone de Beauvoir, Fernanda compilou os relatos da escritora e com a ajuda do diretor Felipe Hirsch concebeu o espetáculo, que é a radiografia da escritora, com suas paixões, seus amores, sua dor e contradições:
“A peça oferece uma oportunidade para que o público jovem conheça um pouco mais sobre a paixão, a energia, a audácia e as contradições humanas de Simone de Beauvoir”, explica a atriz, que confessa numa entrevista ao jornal Folha de S.Paulo sua identidade com a homenageada:
“O existencialismo ditou minha vida. Concordo com o pensamento libertário dela. Creio no que digo em cena”.
E é isto o que o público vê e sente. Com uma interpretação limpa, sem grandes inflexões, Fernanda sentada o tempo todo encarna no palco a escritora francesa. Prova que para se contar uma boa história não é necessário requinte ou ostentação. Bastam sensibilidade e talento, que Fernanda Montenegro possui em abundância. A atriz divide a responsabilidade da montagem com o diretor Felipe Hirsch, “um companheiro ideal para essa viagem”. Mas não posso deixar de destacar ainda a preponderante participação de Daniela Thomas na direção de arte e a tocante iluminação de Beto Bruel. Fernanda também deixou o espetáculo mais acolhedor por ter definido a singela seleção musical, com belas canções francesas.
Ovacionada ao final, a atriz comove o público ainda mais. Ao agradecer, diz que só São Paulo tem organização para manter um teatro daquele porte e uma plateia participativa e calorosa. Fala de sua alegria em voltar à cidade e se apresentar no teatro que leva o nome do amigo, Raul Cortez, com quem dividiu a cena em diversas vezes e também no filme O outro lado da rua, último trabalho do ator. Dedica o espetáculo de estreia a ele!
A plateia novamente aplaude e reverencia dois de seus maiores talentos na arte de interpretar.
Fotos do espetáculo: Guga Melgar
Fotos de Simone de Beauvoir: imagens Google
Foto do filme: divulgação
4 Comentários
Luiz Carlos Líbano
novembro 12, 2011 @ 03:05
Maurício, não quero reler sua maravilhosa resenha, pois pretendo escrever a minha para reflexão própria. Não quero me influenciar. Em relação ao espetáculo que vi hoje (11/11/11) – data significativa – com um amiga, posso dizer que me deparei com algo à altura do que você escreveu e um pouco mais. Estive (assim como a plateia) diante de uma ‘grande dama do teatro universal’ num bate-papo com classe, em que a atriz Fernanda Montenegro se mostrou uma ‘contadora intelectual de histórias’ ,sensíveis memórias, tocantes histórias. Valeu a indicação, querido!
Tudo de bom!
Maurício Mellone
novembro 14, 2011 @ 15:13
Luiz:
Fernanda Montenegro não gosta que a chamem de dama do teatro, mas
fica difícil se referir a ela sem elogiá-la!
Nesse monólog, em especial, ela está divina. Minimalista, profunda,
imprescindível!
bjs
Luiz Carlos Líbano
outubro 12, 2011 @ 00:36
Olá, Maurício!
Bem, Fernanda Montenegro por si só já é um convite para que vejamos quaisquer que sejam os seus trabalhos. Em relação à resenha, achei-a à altura do talento dela e à altura do que deve ser o espetáculo, que ainda não vi.
Grande abraço. Obrigado pela indicação.
Luiz.
Maurício Mellone
outubro 13, 2011 @ 15:13
Luiz: tenho certeza q vc vai se emocionar e amar o espetáculo
com a Fernanda, que “encarna” no palco a escritora francesa Simone de Beauvoir.
Volte sempre!
bjs