De Maurício Mellone em junho 14, 2024
É sempre um desafio a transposição de uma obra literária para o cinema. E quando se trata de um grande clássico da literatura mundial — Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa — a tarefa se torna ainda mais árdua. Em Grande Sertão o diretor Guel Arraes chamou para este desafio o roteirista Jorge Furtado e ambos trouxeram os conflitos do sertão entre os bandos de jagunços e a polícia para os dias de hoje, numa favela de um grande centro urbano, com a luta entre as facções criminosas e a polícia. O lirismo e o tom poético de Guimarães Rosa não foram desprezados pelo roteiro.
Com um elenco de grandes atores e atuações viscerais, a história amorosa e fraternal entre Diadorim e Riobaldo é narrada com sensibilidade; Luisa Arraes e Caio Blat estão num grande momento de suas carreiras. Destaque ainda para a atuação de Rodrigo Lombardi, Luis Miranda, Eduardo Sterblitch, Mariana Nunes e Luellen de Castro.
Da mesma forma como no livro, a história é toda narrada por Riobaldo: no filme ele aparece, já velho, assim que deixa a prisão, e rememora a saga vivida pelos moradores da favela Grande Sertão. Nas primeiras cenas Riobaldo criança conhece o garoto Diadorim, que lhe ensina a vencer os medos e se aventurar pela vida. Num vai e vem no tempo, a trama se passa da infância e adolescência de Riobaldo para sua vida adulta como professor e em seguida seu reencontro com Diadorim, que se tornou membro de uma facção criminosa da favela e perseguido da polícia. Riobaldo passa a integrar a facção do amigo.
Os roteiristas associam o conflito entre jagunços rivais do sertão com as facções criminosas da favela, sempre com a repressão e o cerco policial. Desta forma, o filme retrata a tensão e a luta sanguinária entre bandidos e a polícia. Em meio às cenas de massacre e carnificina, Riobaldo narra seus próprios conflitos e dilemas morais, éticos e existenciais. Ele questiona sua relação com Diadorim e só após a morte do amigo passa a entender o que sentia. Diadorim, na verdade Diadorina, sempre se escondeu na pele de homem para ser aceito no mundo.
Com uma fotografia de causar impacto, o filme enfatiza as cenas de guerra entre as facções, com efeitos surpreendentes — a morte de Diadorim merece ser ressaltada, o que certamente agrada ao grande público, amante dos filmes de ação. Entretanto, os aficionados pela literatura (peculiar) de Guimarães Rosa e pelo tratamento poético dado pelo escritor ao sertão podem sair da sala de exibição sentindo falta de algo. Os questionamentos existenciais e a dicotomia entre o bem e o mal, o espiritual e o material, Deus e o Diabo não estão ausentes em Grande Sertão, mas ficam encobertos por tanto sangue e carnificina.
Fotos: divulgação
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