De Maurício Mellone em dezembro 10, 2012
Em Infância Clandestina, de Benjamín Ávila, o tema central não é original — o olhar de uma criança para os horrores cometidos durante as ditaduras na América Latina; mas como o roteiro é baseado em fato real, a carga dramática torna-se mais intensa. O diretor é filho de uma guerrilheira desaparecida, para quem ele dedica o filme.
A falta de compreensão da criança para o mundo dos adultos já tinha sido tratada em outros filmes, como o argentino Kamchatka/2002 de Marcelo Piñeyro, o chileno Machuca/2004, de Andrés Wood, o francês Culpa é de Fidel/2006 de Julie Gravas e o brasileiro O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias/2006 de Cao Hamburger. No entanto, desta vez a trama está focada em Juan, vivido com brilhantismo pelo jovem ator Teo Gutiérrez Romero, que volta do exílio com seus pais Horácio (César Troncoso) e Cristina (Natália Oreiro), guerrilheiros do grupo Montoneros que em 1979 resolvem fazer ataques para derrubar os militares do poder. Com o distanciamento histórico, hoje estas ações são consideradas suicidas, já que a maioria dos jovens guerrilheiros foi barbaramente exterminada, ou muitos deles estão desaparecidos. A violência desmedida era exercida tanto pela direita como pelos grupos de esquerda.
Um dos destaques do roteiro, uma parceria do brasileiro Marcelo Müller com o diretor, é a utilização dos recursos de animação de Andy Rivas para as cenas mais violentas. Além de suavizar, a animação dá outro tom para o drama daquela família, que entra de forma clandestina na Argentina: os pais por uma fronteira e os filhos Juan e a garotinha Vick (com poucos meses) pela fronteira brasileira, com um casal de amigos, interpretados pelos atores brasileiros Mayana Neiva e Douglas Simon.
Já instalados em Buenos Aires, mas na clandestinidade, a família toma nova identidade; para disfarçar as ações terroristas, eles se passam por fabricantes de balas. Juan começa a frequentar a escola, mas com outro nome, Ernesto. Num belo dia é surpreendido com os colegas da classe cantando em homenagem ao seu aniversário, que ele desconhecia… Pelo inusitado, ele convida a todos para uma festinha em sua casa. Os pais ficam desesperados, mas Beto (Ernesto Alterio), irmão de Horácio, convence a todos que era o melhor a ser feito. E faz outra surpresa ao sobrinho: traz sua avó Amália (Cristina Banegas) para a comemoração — ela chega de olhos vendados como medida de segurança.
O horror daquele período, em que a violência partia de todos os lados, vem à tona no filme, mas sempre pelo olhar de Juan, que aos 12 anos está mais interessado em suas mudanças internas do que nas do mundo conturbado dos adultos. Ele se apaixona pela coleguinha Maria (Violeta Palukas) e quer saber o que está sentindo. Num parque, com a mãe, ele pergunta como ela conheceu Horácio e o clima entre eles é delicado e envolvente! Outro momento sublime do filme é quando Beto explica ao sobrinho como ele deve lidar com a garotinha; a ligação é tão forte entre eles que transcende o mundo real. No entanto, Juan é forçado a tomar atitudes mais condizentes a um adulto, daí o título do filme, que comove e ao mesmo tempo serve como crítica ao governo atual que ainda idolatra os guerrilheiros.
Na Argentina, assim como no Brasil e em outros países latino-americanos, ações violentas dos militares foram combatidas com barbárie e violência de igual calibre pelos guerrilheiros. Para se obter a paz é preciso guerrear? Este questionamento proposto em Infância Clandestina é universal, vale para os confrontos entre Israel e Palestina, na Síria e no mundo todo.
O filme de Benjamín Ávila é o indicado argentino ao Oscar de filme estrangeiro.
Fotos: divulgação
2 Comentários
Imad
dezembro 14, 2012 @ 08:54
Olá, Maurício!
Fui ontem assistir a esse filme, por recomendação sua, e saí bastante satisfeito com a qualidade dele, seja pelo roteiro, ou pelas belas atuações. Muito boa a sua dica! Obrigado.
Abraços,
Imad.
Maurício Mellone
dezembro 14, 2012 @ 16:47
Imad:
Que maravilha que vc foi conferir esta nova produção argentina depois de ter lido minha resenha.
Também gostei muito do filme, principalmente por se tratar de história baseada em fatos reais
(a mãe do diretor foi uma guerrilheira e é tida como desaparecida até hoje!).
Bjs e volte sempre, suas opiniões e impressões sobre os espetáculos são sempre inteligentes e muito sensíveis!