De Maurício Mellone em setembro 3, 2013
Ao entrar na sala de espetáculo do Teatro Eva Herz, o público já se depara com Roberta Alonso e Otto JR em cena, num palco com ligeira inclinação e foco de luz sobre eles. Parece um ringue e, ao ser acionado o terceiro sinal, realmente o palco passa ser o espaço de disputa entre aquele casal que vive a crise dos dez anos.
Num alucinado jogo de palavras — ‘Humor é amor com H’, diz o homem. ‘Amor é simplesmente estar perto’, rebate ela —, o casal põe pra fora todas as angústias, mágoas, ressentimentos e dissabores que guardaram desde que se conheceram há nove anos (até o tempo que vivem juntos eles discordam, um diz nove e o outro rebate dizendo que são onze anos).
Mas neste embate furioso e intenso, eles também se lembram dos bons tempos que tiveram, o que faz com que o espectador tenha a dimensão do amor existente entre eles.
O autor no programa da peça diz que quando se pensa em casal a primeira coisa que se imagina é na intimidade estabelecida entre eles:
“A intimidade de um casal é absurda, quase patética. Quando penso em casal, não penso em intimidade, mas em estranheza; a absoluta estranheza de duas intimidades que se dispõe a viver juntas. Um jogo que só valerá a pena ser jogado enquanto houver amor. Enquanto houver humor”, diz Gustavo Machado.
E em cena o que se vê é o desnudar desta relação que vive uma crise profunda. As máscaras de ambos não só caem como são arrancadas. A tão propalada DR (discussão de relação) só tem sentido quando as verdades são escancaradas e é isto o que fazem os dois personagens, inclusive tirando e trocando de figurino!
Num momento em que o modelo do amor romântico é cada vez mais questionado, Intimidades vem contribuir para esta discussão. O que é traição, fidelidade e possessividade numa relação a dois hoje em dia, em plena segunda década do século XXI?
“Talvez a rotina seja poderosa em aniquilar um amor verdadeiro, mas sigo acreditando na necessidade de cultivá-lo e reinventá-lo a cada dia, pois em ‘tempos líquidos’ como os nossos, nada mais profundo e subversivo do que permanecer casado, por mais difícil que seja”, argumenta o diretor Bruce Gomlevsky.
Por propor uma discussão aberta e radical na relação a dois, Intimidades me remeteu a outro espetáculo em cartaz na cidade: Deus é um DJ. Ter um filho é uma questão que une estas duas peças: se no texto do norte-americano Falk Richter o homem se recusa a ter um descendente, na peça de Machado é exatamente o oposto.
O grande destaque de Intimidades, além de um texto instigante e provocador, é a atuação visceral de Roberta Alonso e Otto JR: ambos estão em sintonia, num pulsar único de intensidade. Ressalto ainda o cenário de Nello Marrese e a iluminação de Elisa Tandeta, que são fundamentais nas idas e vindas da narrativa.
Ótima recomendação para quem já viveu ou vive uma crise conjugal. A identificação com os personagens é imediata! Saí do espetáculo um tanto incomodado em razão de tanta disputa, mas a peça propicia uma reflexão profunda sobre a relação amorosa e os papéis que desempenhamos nela.
Fotos: Dalton Valério
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