De em maio 8, 2012
São Paulo esteve em festa no último final de semana com a realização da 8ª Virada Cultural. Foram as mais variadas atrações, desde teatro, cinema, dança e música, esta abrangendo diversos gêneros, com palcos dedicados ao rock, aos ritmos afros, ao samba, ao jazz, funk, tango, pop e música clássica. E a população compareceu em massa, com mais de quatro milhões de pessoas circulando pelas ruas centrais da cidade, nas 24 horas da programação.
Difícil ressaltar alguma atração, mas segui meu coração e não perdi o show de cabaré da gloriosa Cida Moreira. Depois de ter prestigiado sua apresentação no Auditório Ibirapuera no início do ano (ver resenha já publicada aqui), vê-la em praça pública foi admirável; ela estava segura e adorando estar tão perto de seus fiéis admiradores.
Não queria perder o encerramento e corri para o show de Gilberto Gil, que em uma hora e meia de espetáculo eletrizou a imensa plateia em frente à Praça Júlio Prestes, com seus hits, destacando os reggaes e baladas. Ressalto uma única canção,
Punk da Periferia:
Sou um punk da periferia/
Sou da Freguesia do Ó/
Ó! Ó Ó Ó Ó Ó Ó Ó!/
Aqui prá vocês!/
Sou da Freguesia.
Nesses versos do estribilho, o cantor exigia explicações das autoridades diante do descaso com o Rio Tietê. Reivindicação das mais contundentes e apropriadas. Uma sacada de mestre!
Não pude acompanhar muita coisa do evento deste ano. Mas meu amigo Zedu Lima participou ativamente e faz abaixo um relato emocionado, unindo a apresentação de Maria Rita no Parque da Juventude com seus destaques da Virada Cultural. Confira!
Ela virou minha Virada
Embora ela não fizesse parte da programação, para mim a 8ª Virada
Cultural, no dia 5 último, foi aberta pela cantora Maria Rita, com seu emocionante show Viva Elis, no Parque da Juventude. Ela me proporcionou uma das maiores emoções que tive recentemente. Enquanto relembrava as músicas que sua mãe imortalizou, imagens, com variadas cores emocionais, viravam na minha mente. Minha mocidade, meus amigos no meu quarto na Rua Agassis, todos nós ouvindo Elis Regina; a Copa do Mundo de 1970 – enquanto todos esses amigos assistiam aos jogos na sala, eu, nervoso, me recolhia no meu quarto e ficava ouvindo, durante toda a partida, o LP da Elis …em pleno verão, porque achava que o lado 2 do disco traria sorte à seleção brasileira, com músicas como: Não tenha medo, não tenha medo não (Caetano Veloso), ou Nós estamos por aí sem medo, nós sem medo estamos por aí (Joyce e Sergio Flaksman). A turma da Escola de Comunicações e Artes. Minha tia Geny, que vinha até minha casa para ouvir os últimos discos que eu tinha comprado da Elis. A nossa luta contra a ditadura militar. Mais tarde, quando alguns amigos começaram a ir embora (Quem cala sobre teu corpo / Consente na tua morte, de Milton Nascimento, que Elis gravou em Saudades do Brasil).
Enquanto Maria Rita desfilava emocionada esse repertório, sob um céu onde raios de sol insistiam em atravessar algumas nuvens cinzas, um turbilhão de imagens viraram-se e reviravam-se na minha cabeça, provocando algumas lágrimas. Certa ela quando se recusou a cantar músicas da mãe quando começou, pois caso o fizesse não teria conseguido firmar sua entidade, tão semelhante são seu timbre e entonação com os de Elis.
O que me desagradou foram alguns comentários – felizmente poucos – de alguns fanáticos pela Elis, ou melhor, dizendo, nostálgicos contumazes que não aceitam nada de novo e reclamaram dela ‘ter a audácia de cantar músicas da mãe’. São, no mínimo, incoerentes na sua paixão, já que uma das virtudes de Elis foi ter dado a voz a tantos nascentes compositores que, depois, se tornaram conhecidos. Essa busca pelo novo fica claro na sua interpretação contundente de Como nossos pais, do então novato Belchior, quando diz: É você que ama o passado e que não vê que o novo sempre vem. Posição confirmada por Ney Matogrosso na Vejinha desta semana, que, do alto dos seus 70 anos, prestes a gravar um disco com rap e compositores desconhecidos, afirma que “estar aberto para o mundo de agora me mantém jovem”
Depois do show de Maria Rita fui dar um bordejo pela Virada Cultural, checando rapidamente algumas atrações, como o afrobeat na Praça Júlio Prestes. Adorei ver a animada e diversificada plateia do Largo do Arouche cantando Balão Mágico com Guilherme Arantes. Em passant, entrevi e quase ouvi o pianista Mccoy Tyner, um dos ícones do jazz, que tocou no conjunto de John Coltrane, na programação da Praça da República. Mas o que me encantou realmente foram as atrações do Cabaré, no minúsculo e trash palco na Rua Araújo – Praça Darcy Penteado (Av. Ipiranga, em frente ao Copan). Além de nomes como Gretchen, Cida Moreira e Rita Cadillac, e repetitivas demonstrações de pole dance, surpresas agradáveis me gratificaram, como o ótimo cantor Fernando Zuben, com voz de castrati quando canta, mas de tenor ao falar; a fantástica dançarina Daniela Fairusa, que, literalmente, desconstrói seu corpo enquanto dança. Eles comprovam que o novo sempre vem, além de revelar um celeiro de talento que flutuam pelos palcos undergrounds da cidade. Está aí um nicho que a Virada Cultural deveria investir mais.
E como comecei este relato com Maria Rita, nada mais justo que terminar com Elis Regina. Tenho certeza que, se ela se fosse uma das atrações da Virada, escolheria esta música para encerrá-la:
Hoje a cidade inteira se enfeitou/
Coberta de alegria a noite serenou/
Da casa grande à praça e chafariz/
Da rua principal à porta da matriz/
Tem lua acesa clareando o chão/
Tem moça pra dançar de saia de algodão/
Tem violeiro violando o amor/
Contando em verso a paz/
Desponta um cantador/
De ponta a ponta bandas e cordões/
E lua tonta gira os corações/
No giro dança quem quer se alegrar/
Velho ou criança vem que tem lugar.
(Giro, de Tibério Gaspar e Antonio Adolfo, gravada no LP Elis, como e porque, de 1969)
Zedu Lima
Fotos: divulgação
2 Comentários
Ronaldo Valente
setembro 27, 2012 @ 14:25
Zedu, sou o produtor do Fernando Zuben e também fui o produtor do palco cabaré, fico muito agradecido por suas palavras. Sabemos que o caminho muitas vezes pode parecer duro, e é, mas a cada conquista realizada significa o verdadeiro valor do reconhecimento do artista! Obrigado.
Maurício Mellone
setembro 27, 2012 @ 16:38
Ronaldo:
Que bom que vc fez-me esta visita! Faz tempo que o Zedu escreveu esta resenha e por isto mesmo que
agradeço em meu e em nome dele por seu carinho. Volte sempre e quando tiver uma produção
para estrear, avise-me: terei o maior prazer em divulgar aqui.
abr