De Maurício Mellone em setembro 29, 2017
Falar sobre temas tão duros e violentos como racismo, preconceito, intolerância realmente não é nada fácil. E pior, saber o tom exato de como tratar destas questões fundamentais para a sociedade brasileira desta segunda década do século XXI sem parecer tratado sociológico chato e elitista. Ou uma biografia de um ator negro bem sucedido. Tudo isto passou pela cabeça de Lázaro Ramos depois do convite que recebeu da Editora Objetiva, em 2007, para escrever um livro sobre racismo. O ator, apresentador, diretor e escritor da Bahia diz que só aceitou o desafio de escrever um livro sobre questões raciais no Brasil graças a sua experiência à frente do programa Espelho, exibido no Canal Brasil há 10 anos:
“Todos os meus convidados do Espelho, sem exceção, me ajudaram com informações, histórias e me deram a real dimensão da minha ignorância e falta de vivência sobre vários assuntos. Esta viagem que começa aqui só é possível porque redescobri um mundo que é meu, mas que não pertence só a mim. Ele é parte de uma busca que todos nós devemos fazer para compreendermos quem somos. Por isso, sempre que eu falar de mim neste livro, estarei também falando sobre você. Ou, ao menos, sobre essa busca saudável por identidades”, esclarece Lázaro Ramos na abertura de sua obra.
Como a conversa de Lázaro com seu leitor sobre racismo no Brasil é direta e de forma fluida, ele inicia o livro falando de sua origem humilde, na Bahia. Ele nasceu na Ilha do Paty, que fica na baía de Todos os Santos e pertencente ao distrito de São Francisco do Conde, município a 72 km de Salvador. Sua vivência neste lugarejo com pouco mais de 200 habitantes é fundamental para o leitor perceber a trajetória de vida que ele teve. Hoje Lázaro é um artista de reconhecimento internacional (vencedor de inúmeros prêmios no teatro, cinema e na TV), mas tudo foi conquistado com esforço e trabalho. Nos primeiros capítulos, Lázaro diz como foi chegar a Salvador ainda adolescente, ser recebido pela madrinha, estudar num colégio em que era um dos únicos negros, seus primeiros empregos, sua formação escolar e seu ingresso no Bando de Teatro Olodum, que modificou sua visão de mundo e lhe deu a certeza de sua profissão.
Entretanto, logo o autor dá um basta e diz que o livro não é uma biografia. As experiências pessoais são apresentadas para dar fundamento ao objetivo central da obra, o da busca das identidades. “A partir daqui, minhas memórias continuam, mas quero que sejam meros pretextos para seguirmos outro fio condutor. Quero falar mais de políticas afirmativas, de conflitos de opinião e das dores do racismo”, diz o autor, para em seguida fazer nova provocação: “Portanto, encerre a leitura aqui ou siga por águas um pouco mais incômodas”.
Todas as questões raciais são discutidas e apresentadas por profissionais de várias áreas do conhecimento e Lázaro tem o cuidado de sempre dar o devido crédito, além de trazer no rodapé das páginas todas as informações sobre o que é citado e apresentar as fontes, inclusive para o leitor ter a chance de se aprofundar ainda mais nas questões por ele apresentadas.
Lázaro confessa o motivo que o fez ampliar as discussões sobre o combate ao racismo: o nascimento de seus filhos João Vicente e Maria Antônia (6 e 2 anos). A preocupação dele e de sua mulher Taís Araújo é como educá-los numa sociedade racista e machista como a nossa. O autor não dita regras, pelo contrário, lança perguntas e questionamentos de como enfrentar estes dilemas. Como indicar livros, jogos e brinquedos em que seus filhos possam se identificar com os personagens e heróis e nunca com a visão de submissão e inferioridade que muitas vezes são dadas aos negros nos meios de comunicação. Lázaro também evidencia a importância de sua parceria com Taís, mas evita falar por ela, diz que fala dela como “um observador que acompanhou, com muito orgulho, seu processo de empoderamento” e sua estratégia de denunciar os ataques racistas que recebeu pela internet.
Sobre o termo e o movimento de se empoderar, o autor se debruça no final de seu livro. Não só apresenta o conceito literal como o informal, que é o da inclusão social, o do exercício da cidadania. E cita exemplos deste movimento de se empoderar, por meio das atitudes dos militantes, de canções, livros, teses acadêmicas e inclusive a contribuição de jovens que na internet, em seus canais do You Tube, têm dado rica contribuição de como romper barreiras discriminatórias e preconceituosas.
Lázaro, com sua linguagem solta, às vezes faz divagações e se afasta da narrativa. Mas logo percebe seus voos e volta ao tema. Ressalto sua coragem ao relatar suas intimidades, suas limitações e dúvidas. A emoção é inevitável em diversas passagens. Uma delas é marcante: ele relata um passeio com o filho quando se deparam com dois jovens negros se divertindo e, na volta pra casa, estes mesmos jovens estavam sendo tratados com truculência por policiais. A reação dele e sua incapacidade de explicar ao filho o que acontecia, emociona!
Ao terminar a leitura não só estava emocionado como tocado pelas ideias e discussões propostas por Lázaro Ramos. Tentando imitá-lo, já fiz o boca a boca indicando a obra aos amigos e esta resenha tem esta intenção, a de divulgar ainda mais Na minha pele. Nada melhor do que deixar o próprio autor finalizar, de forma contundente:
“A ação afirmativa está conseguindo mudar a legislação no Brasil. Não como estratagema para reafirmar classificações raciais a serviço da segregação, mas para remover obstáculos e encurtar distâncias entre bancos e negros no acesso aos direitos econômicos, educacionais, culturais e sociais. O Estado brasileiro deve se lançara ao desafio da refundação da unidade nacional, com valorização da diversidade e com a efetiva consagração dos direitos de todos. Mas para além do Estado, precisamos reeducar nosso olhar, desacostumar a nossa vista. Buscar afeto por nós e por nossas questões. Saber que ninguém é melhor do que nós e que nós também não somos melhores do que ninguém”, finaliza.
Ficha técnica:
Título: Na minha pele
Autor: Lázaro Ramos
Editora: Objetiva, 152 pgs
Preço: R$ 34,90
Fotos: divulgação
10 Comentários
karol
novembro 18, 2022 @ 18:15
Olá
Eu tenho uma dúvida ainda não consegui ler o livro, mas gostaria de saber se à alguma relação entre o curta metragem que se chama também ” Vista minha pele”
Maurício Mellone
novembro 18, 2022 @ 20:26
Karol,
infelizmente não conheço este curta q vc mencionou.
O livro do Lázaro é muito bom, tente conseguir ler,
vc vai gostar.
Obrigado pela visita, volte mais vezes
Abraço
Juscelia
outubro 15, 2019 @ 18:36
Amei o livro viagei nas histórias deu até vontade de conhecer o ator pessoalmente.de verdade muito bom o livro. Queria ganhar um tenho um emprestado da escola.
Maurício Mellone
outubro 16, 2019 @ 08:59
Juscelia,
realmente o livro do Lázaro Ramos é excelente.
Fico contente q vc expressou seu amor pela obra aqui no Favo:
postei a resenha sobre o livro na época de seu lançamento.
Volte outras vezes, terei o maior prazer em receber sua visita!
abraço
Paulynho Blues
julho 3, 2018 @ 22:23
Lázaro Ramos é sem dúvida consciente de sua origem: não se esconde na capa hipócrita da fama como alguns negros na vitrine frágil da fama. Espero outros livros teus, Lázaro Ramos.
Maurício Mellone
julho 4, 2018 @ 09:56
Paulynho,
O ator, diretor, escritor, apresentador….
enfim, o artista Lázaro Ramos é mesmo excepcional.
Também espero por nova obra literária dele.
Obrigado pela visita ao Favo, volte outras vezes
abrs
Antoune Nakkhle
outubro 9, 2017 @ 17:19
Adorei a resenha sobre o livro Na minha pele. Está na minha fila, ainda mais agora, depois desta reflexão.
Valeu, Maurício Mellone
Maurício Mellone
outubro 10, 2017 @ 10:30
Antoune,
tenho certeza q vc vai gostar muito do livro e das dicas
do Lázaro, principalmente pra te ajudar na educação de sua
filha.
Bjs
Adriana Bifulco
setembro 29, 2017 @ 15:24
Delícia de texto, Ma! Como te disse, será minha próxima leitura!!
Maurício Mellone
outubro 2, 2017 @ 13:56
Adriana,
tenho certeza q vc irá curtir muito
o livro do Lázaro Ramos
Bjs e obrigado pela visita!