De Maurício Mellone em abril 1, 2025
Depois de nove meses de sucesso no Rio de Janeiro e de ter ganho vários prêmios, finalmente chega a São Paulo o espetáculo Não me entrego, não!, primeiro solo do veterano ator Othon Bastos, que em maio próximo completa 92 anos.
Com temporada prevista até 21 de abril no Teatro Raul Cortez/Sesc 14 Bis, a peça, com texto e direção de Flávio Marinho, traça um perfil da trajetória artística e pessoal de Othon Bastos. Tendo ao seu lado a atriz Juliana Medella, que ele a chama de sua memória, o ator fala descontraidamente sobre fatos de sua vida e momentos cruciais de sua carreira, como a experiência de ter filmado com o diretor Glauber Rocha — Deus e o diabo na terra do sol/1964 e O dragão da maldade contra o santo guerreiro/1969 —, seu início teatral com Pascoal Carlos Magno, além de participações em peças de Augusto Boal, Gianfrancesco Guarnieri e Zé Celso Martinez Correa e clássicos do teatro mundial.
Tive a chance de presenciar algo inusitado na noite em que assisti ao espetáculo. Depois do terceiro sinal, o ator entra em cena e, antes de expressar qualquer palavra, é surpreendido com os aplausos efusivos da plateia paulistana. Depois de agradecer, Othon começa a peça, não sem antes explicar que Juliana Medella representa a sua memória — em diversos trechos ela interfere para contextualizar a narrativa, fazer o contraponto ao ator e até ajudar ou discordar dele. O texto, assinado pelo diretor Flávio Marinho, tem como base o resumo escrito pelo próprio ator:
“Entreguei ao Flávio umas 600 páginas de pensamentos sobre coisas que gosto, autores, anotações. Um resumo bom sobre mim. E fomos fazendo: ele leu, entendeu e foi montando o espetáculo. O Flávio escreveu maravilhosamente bem, começa nos meus 11/12 anos e vem até hoje”, relembra Othon.
Como há uma cronologia no relato dos fatos, o ator confessa que não tinha intenção de seguir a carreira artística, queria cursar odontologia. Fala de seus primeiros trabalhos ainda na escola e, principalmente, do seu ingresso no teatro pelas mãos de Pascoal Carlos Magno.
E uma de suas primeiras experiências no cinema foi no premiado filme de Anselmo Duarte, O pagador de promessas/1962, para logo em seguida ser convidado por seu conterrâneo, o baiano Glauber Rocha, e viver o personagem até hoje lembrado, Corisco, de Deus e o diabo na terra do sol.
O ator argumenta que preferiu ressaltar as lembranças alegres e divertidas, nenhuma amarga. No entanto ele esteve no palco em períodos graves da história do país, como o da ditadura militar, em que participou de espetáculos de forte cunho social e de denúncia, como Eles não usam black tie/1964, O rei da vela/1967, Castro Alves pede passagem/1971, Um grito parado no ar/1973, Ponto de partida/1976 e Murro em ponta de faca/1978.
Com 73 anos de carreira, seria impossível lembrar ou citar as infinitas peças, dezenas de filmes e inúmeras participações na TV. Entretanto Othon relembra tudo com “emoção, mas também com alegria e senso de humor, características marcantes de sua personalidade”, conta o amigo e diretor. Como admirador de teatro e da arte de interpretação, foi impossível não me emocionar quando Othon cita nomes de autores, diretores e companheiros de palco, como Augusto Boal, Gianfrancesco Guarnieri, Fernando Peixoto, Zé Celso Martinez Correa e Paulo José.
Com uma iluminação precisa, um cenário de poucos elementos (uma cadeira, um banco, uma estante para a atriz e painéis ao fundo com reproduções dos trabalhos do ator), além de uma direção focada na performance artística, o realce do espetáculo sem dúvida fica para a atuação envolvente e emocionada de Othon Bastos, que confessa:
“É um momento único: meu primeiro monólogo sobre a minha própria vida. É uma experiência muito forte eu ter que ser o meu próprio centro em cena. Mas, quando se recebe um dom como esse, você tem a capacidade de doar o que recebeu. Então é isso que eu quero, me doar — e que as pessoas me leiam. Quero que elas vejam quem eu sou e como sou”, arremata Othon Bastos.
Como no início, a plateia reage com muitos e muitos aplausos. Mais que merecidos, um reconhecimento pelo valioso trabalho artístico desenvolvido há décadas por um homem das artes!
Roteiro:
Não me entrego, não!. Texto e direção: Flávio Marinho. Elenco: Othon Bastos. Diretora assistente e participação especial: Juliana Medella. Direção de arte: Ronald Teixeira. Trilha original: Liliane Secco. Iluminação: Paulo Cesar Medeiros. Fotografia: Beti Niemeyer. Visagismo: Fernando Ocazione. Administração: Fábio Oliveira. Produção local: Roberta Viana. Direção de produção: Bianca De Felippes. Produção: Gávea Filmes. Idealização: Marinho d’Oliveira Produções Artísticas. Realização: Sesc São Paulo.
Serviço:
Sesc 14 Bis/Teatro Raul Cortez (440 lugares), Rua Dr. Plínio Barreto, 285, tel. 11 3016-7700. Horários: de quinta a sábado às 20h; domingo às 18h. Ingressos: R$ 70, R$ 35 e R$ 21 (credencial Sesc). Duração: 100 min. Classificação: 12 anos. Temporada: até21 de abril de 2025.
Deixe comentário