De Maurício Mellone em fevereiro 14, 2025
Para comemorar os 18 anos de existência, a Companhia da Memória resolveu encenar o clássico do dramaturgo russo Anton Tchekhov, O Jardim das Cerejeiras. Com direção de Ruy Cortez e 14 atores em cena, a montagem traz o texto original e uma cenografia ousada: uma plataforma atravessa desde o fundo do palco do Teatro Anchieta/Sesc Consolação até o primeiro nível da plateia. Assim, o público pode se acomodar no palco, nos dois lados da plataforma do primeiro nível da plateia e no segundo nível. Assim, a perspectiva cênica do espetáculo se amplia, se multiplica.
A trama central é sobre a saga de uma família russa, da aristocracia decadente do início do século XX, que se vê obrigada a leiloar a propriedade para saldar as dívidas. Por ironia, o vencedor do leilão é o neto de antigos trabalhadores da fazenda, que tem grandes projetos para o local. Elenco encabeçado por Sandra Corveloni, Mario Borges, Ondina Clais e Caio Juliano.
Última peça escrita por Tchekhov em 1903 — o dramaturgo faleceu no ano seguinte —, O Jardim das Cerejeiras retrata um ambiente de transição da Rússia, marcado pelo declínio da aristocracia rural e ascensão da nova classe burguesa impulsionada pelo capitalismo. A sociedade passava por profundas transformações econômicas, sociais e existenciais. Para o diretor, este questionamento da peça dialoga com os tempos atuais de mudanças climáticas extremas:
“Como nós, seres humanos, temos tratado uns aos outros? Como temos tratado o nosso planeta e os outros seres vivos que convivem aqui conosco? O que podemos fazer para melhorar estas relações? ”, pergunta Ruy Cortez.
No programa da peça, muito bem elaborado e repleto de informações, o texto assinado pela Cia da Memória aprofunda a relação da peça de Tchekhov com o Brasil de hoje.
“Nesta nova montagem, queremos reverberar como a dramaturgia de Tchekhov permanece atual ao evidenciar contradições sociais que seguem ressoando em nosso contexto. Tal qual a Rússia retratada por Tchekhov, o Brasil contemporâneo enfrenta estruturas tradicionais que se mostram excludentes, perpetuando desigualdades sociais e ambientais. A destruição do jardim no final da peça não representa apenas uma perda física, mas também um alerta contundente sobre os perigos da negligência em relação ao que sustenta a vida.”
Com um texto clássico e que provoca reflexões sobre o mundo atual, a montagem se destaca por trazer um elenco de gerações distintas, numa troca e sintonia contagiante. O figurino de Fabio Namatame merece ser ressaltado: em cada ato o elenco entra em cena com um tom das vestimentas (primeiramente todos de vermelho, depois de verde e por último com tom pastel), numa referência à mudança de rumo daquela família. A cenografia de André Cortez chama a atenção pela ousadia, o espectador se sente parte daquele jardim rodeado de cerejeiras. No entanto, a duração do espetáculo é muito longa e senti falta de uma unidade cênica, algumas cenas estão dispersas.
Roteiro:
O Jardim das Cerejeiras. Texto: Anton Tchekhov. Tradução: Rubens Figueiredo. Direção, concepção e encenação: Ruy Cortez. Direção de atores: Miriam Rinaldi. Elenco: Sandra Corveloni, Mario Borges, Walter Breda, Ondina Clais, José Rubens Siqueira/Luiz Amorim, Beatriz Napoleão, João Vasco, Gabrielle Lopes, Caio Juliano, Ana Hartmann, Daniel Warren, Conrado Costa, Clodd Dias e Felipe Samorano. Coreografia: Ondina Clais. Cenografia: André Cortez. Direção de produção: Emerson Mostacco. Figurino: Fabio Namatame. Iluminação: Wagner Antônio. Sonoplastia e design sonoro: Aline Meyer. Fotografia: Ale Catan e Klaus Mitteldorf. Produção – Companhia da Memória e Mostacco Produções. Realização Sesc.
Serviço:
Sesc Consolação/Teatro Anchieta (280 lugares), R. Dr. Vila Nova, 245, tel. 11 3234-3000. Horários: sexta e sábado às 20h; domingos e feriado às 18h. Ingressos: R$ 70, R$ 35 e R$ 21. Duração: 180 min. Classificação: 16 anos. Temporada: até 2 de março.
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