De Maurício Mellone em outubro 16, 2025
Após um intervalo de doze anos quando lançou Miserere, a escritora mineira Adélia Prado volta a encantar seus leitores com O jardim das oliveiras, seu mais recente livro de poesias lançado pela Editora Record.
A obra reúne 105 poemas inéditos, que segundo a própria autora são inspirados em textos que deixou guardados em suas gavetas, muitos deles escritos ainda na juventude. Para o professor e escritor Marco Lucchesi, que assina a orelha do livro, O jardim das oliveiras é “um livro admirável, heterodoxo, transparente. O verso depurado e a humana condição traduzem-se num jogo especular, onde se afinam os contrários, na sinergia das coisas que nos cercam, na conjunção dos tempos que emergem da palavra e nela se dissolvem. Em cada verso, não para de crescer a compaixão de Adélia pelo mundo, pelos homens e pela solidão (fatal) de Deus”.
Considerada pelos críticos como uma das grandes vozes da literatura contemporânea (brasileira e mundial), Adélia Prado é natural de Divinópolis/MG e em dezembro próximo irá completar 90 anos. Professora e licenciada em Filosofia, lançou Bagagem, seu primeiro livro de poesias, em 1976. Hoje sua obra compreende livros em prosa (Solte os cachorros/1979, Cacos para um vitral/1980, Filandras/2001), antologias, traduções e livros infantis, além de onze obras de poesias. É vencedora de inúmeros prêmios, incluindo Camões e Machado de Assis/ABL, ambos recebidos em 2024.
Com capa assinada pelo designer Leonardo Iaccarino a partir da tela Cactus da mineira Fani Bracher, a obra é dividida em quatro partes, cujos títulos são versos que sintetizam os poemas de cada parte. Geralmente em minhas resenhas literárias, seleciono trechos ilustrativos da trama; com as poesias de Adélia isto seria impraticável, pois como eleger uma diante de tantas outras tão sensíveis e representativas da obra? Entretanto, para esta resenha, vou elencar alguns poemas de cada parte do livro.
Esta memória forjada em pó
de carvão e lágrimas
Nesta parte a autora reúne 16 poesias que retratam sua infância e início da vida adulta, de quando eu era menina e comia de tudo e muito.
“Oh! vida maravilhosa!
Ideias me beliscando
como piabinhas no córrego
beliscando-me as pernas”“Qualquer infância é antiga.
Já nasce com mil anos a memória da alma”
As santas vulgaridades
têm com certeza um anjo guardião
Esta segunda parte é composta de 10 poemas, que, além de revelar a maturidade da autora, trazem uma característica peculiar de Adélia, a introdução de vozes, do povo, de Minas, do divino.
“Não nasci assim mãe,
assim avó,
assim tia.
Já fui filhinha,
irmã,
fui coleguinha.!“Somos eternos nos verdes anos,
a velhice tosse ao lado e arqueja,
até que arranje um lugar
pra sentar e descansar um pouco.
…
‘A juventude não pensa nada que presta,
concorda comigo dona Vicentina?’
Tenho de pensar a respeito do que falamos.”
Muito cuidado com o recém-nascido.
A terceira parte é a que contém o número maior de poemas, são 43.
A dificuldade de escolher um dentre tantos é ainda maior! E os temas também são os mais variados. Amor e Deus sobressaem:
“Quero viver, Deus.
Sinto frio, muito frio.
Não me expulses do ninho ainda implume.
Me aquece com brandura
sem pesar sobre mim a tua mão.”“Várias vezes te disse:
o amor não é close-up, é impressionista,
vive do que bem não se contorna.”“Minha alma quer ver a Deus.
Não quero morrer.
Quero amar sem limites
e perdoar a ponto de esquecer-me.”“Não é à toa que tenho medo de Deus,
mas a seu Filho amo com paixão verdadeira.”
Se alguém gritasse, pediria vassoura
ou faca para a sangria.
Esta última parte compreende 36 poesias, que evidenciam a preocupação da autora com a finitude, com a própria finitude. O humor sutil também está presente, além da inter-relação do profano e do divino. A palavra e o fazer poético percorrem toda a obra. Finalizo a resenha com outras pérolas da escritora mineira, com o desejo de que a próxima obra não tenha um intervalo tão grande deste “admirável, heterodoxo, transparente” jardim das oliveiras.
“Amo a carne que desprezo,
me sirvo dela para encontrar o espírito,
que não sente medo nem vergonha.
Nada explica o mistério que me sustenta.”“No fim da quaresma vou rezar assim:
pela vossa dolorosíssima paixão,
aceita meu sacrifício,
levantar-me, pegar lápis, papel
e palavras que possam dar ao horrível da vida
uma porção de alegria.”“Eu estava na cruz, mas era doce,
era Deus que doía em mim.”“Não se faz poesia apenas com palavras;
poemas, sim, mas quem precisa deles?”
Ficha técnica:
Título: O jardim das oliveiras
Autora: Adélia Prado
Editora: Record, 144 pgs
Preço: R$ 59,90
Fotos: divulgação
6 Comentários
Sueli Zola
outubro 20, 2025 @ 15:36
Maurício, que linda sua resenha!
Se eu já estava querendo ler O Jardim das Oliveiras, agora quero ainda mais ter diante de meus olhos “palavras que possam dar ao horrível da vida
uma porção de alegria.”
Viva a poesia!
Maurício Mellone
outubro 20, 2025 @ 18:11
Sueli:
Fico feliz de ter te aguçado a vontade de ler a nossa querida Adélia.
Tenho certeza que irá adorar e ter “uma porção de alegria”
Beijos e obrigado pela visita, volte sempre!
Dinah Sales de Oliveira
outubro 17, 2025 @ 16:49
Maurício,
Muito boa sua resenha e os poemas que você ‘beliscou’ do livro da querida Adélia Prado!
Deve ter sido muito difícil mesmo escolher quais publicar.
Ela tem uma concisão na escrita que me espanta e encanta.
“O amor é impressionista”. Bravo, Adélia Prado!
Vontade de ler o livro inteiro agora.
beijos,
Dinah
Maurício Mellone
outubro 19, 2025 @ 09:46
Dinah, querida:
Tenho certeza q vc vai se encantar
com o novo livro da grande Adélia!
Realmente, tive dificuldade em “beliscar” os
poemas, são 105 marailhosos!!!
Muito obrigado por sua presença constante por aqui.
Beijos
Adriana Bifulco
outubro 16, 2025 @ 17:26
Que delícia de resenha, quantos poemas incríveis! E isso é apenas uma pequena mostra do trabalho da Adélia Prado.
O que achei mais interessante é ela abordar tantos temas, sempre com tanta sutileza e, ao mesmo tempo, precisão.
Adorei, querido!
Maurício Mellone
outubro 16, 2025 @ 17:41
Adriana, querida:
Que maravilha q vc gostou.
A Adélia é encantadora: profunda e sensível!
Se puder, leia o livro, vc vai s encantar ainda mais
Muito obrigado pela visita, vc está sempre por aqui.
GRATIDÃO
Beijos