De Maurício Mellone em março 12, 2020
Com uma encenação de grande impacto do diretor William Pereira, acaba de estrear no Sesc Bom Retiro o espetáculo O Náufrago, adaptação para o palco do romance homônimo do escritor holandês Thomas Bernhard, considerado um dos mais importantes autores de língua alemã do século XX.
A trama conta a história do encontro de três exímios estudantes de piano, sendo que um deles era Glenn Gould, tido pela crítica especializada como um marco da música clássica do século XX, principalmente por sua interpretação de Variações de Golberg, de Johann Sebastian Bach. Exatamente esta genialidade de Gould perturbou sobremaneira os outros dois pianistas e este é o mote central tanto do romance como desta adaptação teatral. Grandes atuações de Luciano Chirolli e Dagoberto Feliz.
A genialidade de Glenn Gould perturbou tanto seus colegas de curso que o narrador da peça (Chirolli) confessa que abandonou a música e nunca mais quis tocar piano; já o outro, Wertheimer (Feliz) não suportando considerar-se menor que Gould suicidou-se. E esta informação é dada na primeira cena, quando o narrador explica: “Um suicídio calculado com grande antecedência, e não um ato espontâneo de desespero, pensei”.
Para transpor o romance de Bernhard para o palco, o diretor optou por criar dois planos bem distintos, separados por uma tela: o primeiro é o tempo presente em que o narrador conta sua versão da história e o segundo, de Wertheimer, o plano da memória, em que o pianista se contrapõe ao narrador, como uma sombra. Estes dois planos correm em paralelo, mas com o desenrolar da trama há uma fusão entre eles, rompendo o limite entre realidade e memória.
“Inicialmente havia criado o espetáculo como um monólogo, mas depois de várias adaptações, decidi trazer à cena Wertheimer, tão importante como Glenn Gould. Assim são dois monólogos em paralelo executando variações sobre as ácidas, desesperadas e aniquiladoras palavras de Bernhard. Trabalhei para que a densidade do texto esteja emoldurada por uma dramaticidade visceral”, esclarece William Pereira.
Na montagem, a música pode ser considerada o terceiro vértice do triângulo, tão importante quanto os dois personagens: há projeção de vídeo com apresentações de Glenn Goud, que se opõem às execuções de Wertheimer.
Além da dramaturgia densa, profunda, O Náufrago se destaca pela encenação impactante, com perfeita sintonia entre cenário, iluminação e projeção de imagens, e um figurino clássico, elegante. No entanto, a grandiosidade do espetáculo se dá graças às brilhantes e viscerais atuações Luciano Chirolli de Dagoberto Feliz. Não perca, temporada só até 12 de abril.
Roteiro:
O Náufrago. Texto: Thomas Bernard. Tradução: Sérgio Tellaroli. Adaptação e direção: William Pereira. Elenco: Luciano Chirolli e Dagoberto Feliz. Cenários e figurinos: William Pereira. Iluminação: Caetano Vilela. Direção de palco: Elisete Jeremias. Fotografia: Leopoldo De Léo Jr. Programação Visual: Giuliano Almeida Ziviani. Direção de produção: Leopoldo De Léo Jr. Produção: LNW Produções Artísticas Ltda. Realização: SESC
Serviço:
Sesc Bom Retiro (291 lugares), Alameda Nothmann, 185 tel. 11 3332-3600. Horários: sexta e sábado às 21h e domingo às 18h. Ingressos: R$40, R$20,00 e R$12. Duração: 80 min. Classificação: 14 anos. Temporada: até 12 de abril. Transporte de vans gratuito: saída Estação Luz, sexta e sábado a partir das 17h30 e domingo e feriados a partir das 16h; volta ao término do espetáculo.
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