De Maurício Mellone em agosto 10, 2017
Em sua primeira peça encenada, o ator e jornalista Rudson Mazzorana propõe um verdadeiro embate com a plateia. Com direção de André Grecco, em O Ovo da Serpente, em cartaz no Viga Espaço Cênico, a situação proposta é tão violenta, anacrônica e aviltante que o espectador é obrigado a se confrontar com a realidade vivida hoje em dia. Numa espécie de casa laboratório, Jack, médico neonazista vivido por Zaqueu Machado, mantém sua esposa Lascívia, interpretada por Glória Rabelo, uma judia e ex-prostituta, presa com portas abertas. Ele contrata o jovem Mike, interpretado pelo próprio dramaturgo, para testar o caráter e a cumplicidade de sua mulher. O rapaz, que desde o início demonstra desvio de caráter e atitudes psicopatas, extrapola e provoca terror entre o casal, deixando vir à tona todos os mistérios daquele inusitado casal.
“Este texto é um alerta social que visa, por meio do choque de realidade, refletir sobre a banalização da vida e questionar o processo de desumanização. Inspirada em ideais nazistas, a peça fala de questões atuais da humanidade, como solidão, falta de diálogo, intolerância, preconceito, ignorância social e violência”, esclarece Rudson Mazzorana.
O que chama a atenção logo que a trama tem início é a completa falta de comunicação entre o casal, não há troca entre eles: enquanto Lascívia expõe seus medos e aflições diante da fechadura quebrada da porta de entrada da casa, Jack está preocupado com sua aparência e com o que irá fazer no decorrer do dia. As falas são ditas, mas não há diálogo, entendimento entre marido e mulher. A sensação de terror e medo só se amplifica com a chegada do jovem intruso. O diretor — que concedeu uma entrevista exclusiva para TV MELLONE— é enfático ao definir os personagens da peça:
“Personagens frios, distantes, aprisionados a um ideal perverso e que, na busca pela sobrevivência no mundo cruel criado pela intolerância, revelam seu abismo afetivo”, afirma André Grecco.
O estado de degradação moral dos personagens é acompanhado pela destruição física do cenário (assinado por Heron Medeiros) e do figurino (de Danielli Guerreiro): ao final da trama, está tudo no chão e os personagens praticamente desnudos. Esta situação limite encenada no palco provoca no espectador desconforto e aversão, mas acima de tudo o público é instigado a refletir sobre a realidade em que vivemos hoje, no Brasil e no mundo. Intolerância, preconceito, violência, xenofobia, higienização de raças e de classes sociais, autoritarismo: estamos retrocedendo? Mesmo diante de tanto avanço tecnológico, a humanidade está recuando de seus princípios básicos? Reflexões que a peça propõe de forma incisiva, enfática.
O espetáculo permanece em cartaz só até o final deste mês, confira.
Roteiro:
O Ovo da Serpente. Dramaturgia: Rudson Mazzorana. Direção: André Grecco. Assistência de direção: Rogério Troiani. Elenco: Glória Rabelo, Rudson Mazzorana e Zaqueu Machado. Cenografia: Heron Medeiros. Trilha sonora original: Fred Silveira. Figurino: Danielli Guerreiro. Coreografia: Rafael Sunny. Iluminação: François Moretti. Fotografia: Ricardo Peres. Realização: ARTINCENA.
Serviço:
Viga Espaço Cênico (75 lugares), Rua Capote Valente, 1323, tel: 11 3801-1843. Horários: sábado às 21h e domingo às 19h. Ingressos: R$ 50 e R$ 25. Duração: 90 min. Classificação: 16 anos. Temporada: até 27 de agosto.
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