De Maurício Mellone em junho 3, 2025
Depois de percorrer várias cidades brasileiras, está de volta a São Paulo o espetáculo O que só sabemos juntos, protagonizado por Denise Fraga e Tony Ramos, que pela primeira vez em suas extensas e premiadas carreiras se encontram no palco. Para a alegria do público, a temporada paulistana no Teatro Tuca foi estendida até final de setembro.
Aos moldes da peça também conduzida por Denise Fraga, Eu de Você — que volta a ser apresentada às quartas-feiras, de agosto a setembro, no Tuca — , o espetáculo promove uma experiência de empatia e escuta com a plateia, que é acolhida pelos dois atores desde a entrada à sala. De forma leve e bem humorada, Denise e Tony recolhem informações das vidas de alguns espectadores que depois serão compartilhadas com os demais, ao lado das histórias dos próprios atores e de trechos de obras de dramaturgos e escritores da literatura universal.
Enquanto todos se acomodam em seus lugares, no palco a banda composta só de mulheres já está se apresentando. Para começar formalmente, ainda na plateia, Denise e Tony iniciam uma conversa descontraída, fazendo algumas perguntas genéricas, como a forma que chegaram ao teatro, de que região da cidade vieram, conferem o número de pessoas que estão ali no momento (público, equipe técnica, funcionários do teatro), além de identificar quem já assistiu uma peça neste ano e, principalmente, quem pela primeira vez veio ao teatro.
Pronto, o elo entre atriz, ator, musicistas e espectadores já se estabeleceu. Denise e Tony, já no palco, começam a contar suas próprias histórias, ele falando de sua infância na zona norte paulistana e do fascínio que tinha pelo cinema e os filmes de Oscarito. Ela contando as experiências infantis vividas no subúrbio carioca e das reuniões familiares, filmadas por um tio querido.
É desta forma que as histórias de ambos, aliadas às dos espectadores são complementadas com trechos de obras de dramaturgos, como Anton Tchekhov (Tio Vania) e Bertolt Brecht (Galileu Galilei).
Com direção geral de Luiz Villaça, o inusitado do espetáculo é justamente esta mescla: a dramaturgia é coletiva (Kenia Dias, Denise Fraga, Luiz Villaça, Vinicius Calderoni, Tony Ramos e José Maria) e o texto final contém pensamentos de autores como a feminista bell hooks, ensaios de Olga Tokarczuk, além da poesia de Fernando Pessoa, Arnaldo Antunes e João Cabral e Melo Neto, dentre outros.
Um dos momentos que mais me chamou a atenção é o jogo cênico proposto, em que Denise e Tony interpretam um casal contemporâneo, com os encontros e desencontros entre eles. O homem revela todo o machismo, preconceito e racismo estrutural, infelizmente tão comuns ainda hoje. A mulher, ao invés de brigar com o amado, resolve descer à plateia e, olho no olho com os espectadores, enumerar dezenas de perguntas que evidenciam estas marcas depreciativas do marido; ele ouve de cabeça baixa e responde, olhando para o público, somente pedindo desculpas.
Posturas machistas, preconceituosas, racistas e homofóbicas são questionadas pela mulher e o marido é obrigado a rever seus comportamentos diante de tantas atrocidades cometidas pelos homens na sociedade contemporânea. Ao definir a proposta do espetáculo, Denise Fraga fala da importância desta experiência de empatia e escuta com os espectadores:
“Eu gosto de contar as pessoas quando tem muita gente, porque eu gosto de imaginar que quando se trata de gente, cem não é cem, são cem unidades, cem uns, cem pessoas com vidas, histórias e experiências diferentes umas das outras. Todos nós temos casas de infância, cheiros que lembramos. Todos temos um alfabeto coletivo, em comum, e que a gente deixa de acessar e de perceber diante da falta de escuta e de percepção do outro. Num mundo onde a falta de escuta, ou da qualidade dela, virou o grande problema das relações, é a busca por esse alfabeto comum, esse alfabeto de memórias, de gestos, de experiências, mais do que de opiniões, que estamos falando. O que só sabemos juntos?”, indaga a atriz.
O espetáculo chega ao fim da mesma forma que do início: Denise e Tony no centro do palco concluem citando as experiências pessoais e as dos espectadores daquela sessão. Empatia e escuta realizadas na prática. Comoção total! Além da criativa dramaturgia e da direção criteriosa em conduzir a trama, destaque para a direção musical de Fernanda Maia e performance da banda, a iluminação de Wagner Antônio e a direção de movimento de Kenia Dias.
Imperdível! Aproveite que a temporada foi estendida, programe-se e vá ao teatro. Para mais informações, siga a peça nas redes sociais: @DeniseFragaOficial
Roteiro:
O que só sabemos juntos. Idealização e criação: Denise Fraga, José Maria e Luiz Villaça. Direção geral: Luiz Villaça. Elenco: Denise Fraga e Tony Ramos. Direção de produção: José Maria. Texto: Denise Fraga, Luiz Villaça e Vinicius Calderoni. Dramaturgia: Kenia Dias, Denise Fraga, Luiz Villaça, Vinicius Calderoni, Tony Ramos e José Maria. Direção de movimento: Kenia Dias. Direção musical, arranjos e preparação vocal: Fernanda Maia. Musicistas: Ana Rodrigues, Clara Bastos, Priscila Brigante/Roberta Kelly, Vanessa Larissa e Taís Cavalcanti / Beatriz Pacheco. Iluminação: Wagner Antônio. Cenografia: Duda Arruk. Figurinos: Verônica Julian. Fotografia: Cacá Bernardes/Bruta Flor. Produção executiva: Adriana Tavares e Juliana Borges. Realização: NIA Teatro.
Serviço:
Teatro TUCA (670 lugares), Rua Monte Alegre, 1024, tel. 11 3670-8455. Horários: sexta às 21h, sábado às 20h e domingos às17h. Ingressos R$ 21 a R$ 200. Vendas: bilheteria e Sympla. Duração: 90 min. Classificação: 12 anos. Temporada: até 28 de setembro de 2025.
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