De Maurício Mellone em novembro 8, 2012
Ao terceiro sinal e ao apagar das luzes da sala de espetáculo, a plateia é envolvida no clima criado por Xico Abreu em sua peça O Trem, o Vagão e a Moça de Luvas. Com o cenário, o vídeo e a trilha sonora, o espectador parece que não está sentado na poltrona do Teatro Ágora, mas numa verdadeira estação de trem, prestes a embarcar na última viagem do dia, em que a citada moça de luvas entra no vagão onde está somente um homem.
De uma animosidade inicial, diálogos ríspidos, eles iniciam uma troca de confidências, chegando à afetividade e ao sexo, em pleno vagão em movimento. No entanto, da mesma forma como entram, eles partem daquele trem para a solidão de suas vidas corriqueiras. O espectador pode ser um passageiro sentado ao lado daquela moça e daquele rapaz, graças à identificação com as cenas: que morador de uma grande cidade não passa por situações idênticas àquelas vividas pelos personagens da peça?
Para completar o clima nebuloso do enredo, a viagem de Ana (interpretada por Flávia Pyramo, que ao lado do diretor Renato Rocha assina a concepção do espetáculo) e de Ernesto (Ernani Sanchez) é numa noite de muito frio e aquele trem (ou metrô) é o último do dia. Ambos já no vagão, quem puxa conversa é o rapaz, mas a moça, além de luvas, é de poucas palavras e muita agressividade. Graças à insistência de Ernesto, Ana resolve se abrir e, sem perceber, faz confidências e diz que é operadora de telemarketing e mora só. Pouco se sabe de Ernesto, mas a solidão une aqueles passageiros: de um contato ríspido inicialmente, eles chegam a fazer amor com o trem em movimento. Mesmo depois deste encontro, as diferenças entre eles permanecem e as discussões também.
“Cuidado com o vão entre o trem e a palavra.”
Se Ana é contemporânea, trabalha para sobreviver e não consegue arranjar tempo para si mesma (é sugada pelo sistema opressor), Ernesto é uma pessoa sem passado e provoca um atrito na vida daquela mulher.
“Assim como o deslocamento físico é dificultado por congestionamentos, o trânsito emocional encontra-se represado no individualismo e na solidão. O trem significa a sociedade moderna em pleno movimento. O vagão é o espaço do encontro, onde a moça tem a oportunidade de trocar, de ver o outro e se ver por meio dele. Percebe, enfim, a possibilidade de trilhar novos caminhos, quebrando o círculo vicioso de auto-proteção-solidão”, diz a atriz.
Em 70 minutos de espetáculo, O Trem, o Vagão e a Moça de Luvas deixa o espectador sob tensão, pois vivencia aquele inusitado encontro de Ana e Ernesto. Até que ponto não somos como aqueles personagens ou vivemos situações no mínimo parecidas com as de Ana e Ernesto?
“Encontrar alguém. Encontrar nós mesmos. Vagões cheios de vazios. Às vezes é preciso seguir viagem e não olhar pra traz, colocar a cabeça na janela e sentir o vento trazendo a esperança”, filosofa Pierre Santos, codiretor da peça.
Além do texto instigante do mineiro Xico Abreu e a interpretação visceral de Flávia Pyramo e Ernani Sanchez, o destaque da peça fica para o clima gerado no palco, graças à iluminação de Paulo César Medeiros, a projeção dos vídeos de Bruno Queiroz, a trilha sonora de Pedro Bernardes e o cenário de Flávio Papi. A cenografia é tão impactante que ao final o público é convidado a subir no palco para apreciar de perto a criativa instalação.
Fotos: Caio Gallucci
8 Comentários
Fernando Sérgio Aganett
novembro 11, 2012 @ 00:04
Assisti a peça e adorei. Flávia atuou maravilhosamente, um trabalho fantástico usufruindo de todo seu talento e profisionalismo. Espero vê-la breve em outras peças. Atenciosamente
Fernando Sérgio Aganett
Maurício Mellone
novembro 12, 2012 @ 14:11
Fernando:
O trabalho da Flávia é mesmo encantador,
não só na interpretação como em todo o processo
criativo do espetáculo.
abr e obrigado pela visita, volte sempre!
Ajalmar Silveira
novembro 10, 2012 @ 10:58
Vi no Rio de JAneiro. Interessantes as soluções de cenografia, com belíssima instalação de Flávio Papi, dinamizada pela projeção multimídia. Flavia Pyramo defende seu personagem com muita garra, com belíssimo trabalho corporal na cena do trapézio, no momento mais lírico da peça. Apesar do cenário locado em Sampa, O tema é universal, podendo ser em qualquer lugar do mundo.
Maurício Mellone
novembro 12, 2012 @ 14:13
Ajalmar:
Vc tem toda a razão: o tema é universal, há uma identificação
imediata do espectador (principalmente os moradores de grandes centros urbanos)
com as circunstâncias vividas em cena.
Obrigado pela visita e volte sempre,
abr
Sandra Justo
novembro 10, 2012 @ 01:31
Adorei a peca. Dois atores excelentes nos educando neste transito caotico e nos ensinando a lhe com os vendedores de telemark/ a respeitar o ser humano e ainda nos presenteando com esta linda viagem e mais ainda nos dando a oportunidade de visitar este cenario maravilhoso, nunca visto antes no teatro.Parabens a todos que participaram desta peca.
Amei.
Maurício Mellone
novembro 12, 2012 @ 14:16
Sandra:
o Cenário de Flávio Papi é impactante mesmo! E quando o público tem a chance
de subir ao palco para apreciar seu trabalho mais de perto,
as agradáveis sensações sobre o espetáculo são ainda maiores!
abr
Guilherme koritsaki
novembro 10, 2012 @ 00:09
Assisti a Peca da Moca do Trem no Rio de Janeiro e parabenizo aqui aos produtores,autor, atriz e ator pois foi uma das melhores em termos de ensino para nosso transito caotico e no fim da peca, nos presentearam com a visita ao lindo cenario , nunca visto antes no teatro.Uma estacao de trem, maravilhosa.
Parabens a todos. Artistas de primeira classe, sendo que no Rio assisti com outro ator, tao bom quanto este em SP.
Parabens Teatro AGORA
Gloria!!!
Maurício Mellone
novembro 12, 2012 @ 14:17
Guilherme:
O elenco (mesmo tendo havido substituição aqui em Sampa)
é coeso e muito afinado.
Apareça sempre que puder
abr