De Maurício Mellone em dezembro 17, 2014
Por onde passa, a Exposição Ron Mueck é um sucesso. Foi assim no Japão, Austrália, Nova Zelândia, México, Argentina e também no Brasil (antes de São Paulo o Rio já abrigou a mostra). O grande número de pessoas na fila é justificável: as nove esculturas do artista, que nasceu na Austrália e vive em Londres/Inglaterra, são provocadoras e ninguém sai imune. As figuras humanas e o frango morto pendurado no teto — de várias dimensões, de miniaturas a monumentais — são de um realismo impressionante que faz com que o público reflita e crie a cena retratada pelo artista.
As férias escolares e as folgas de fim de ano podem ser aproveitadas para visitar a mostra, que fica na Pinacoteca do Estado de São Paulo até o dia 22 de fevereiro de 2015.
O esforço e o cansaço da fila (cheguei 40 minutos antes de abrir a exposição e fiquei uma hora e meia para entrar) valem a pena. Logo na primeira sala o público se depara com Máscara II, uma imensa máscara que retrata o próprio Mueck e traz a marca do artista: seu rigor nos detalhes e minúcias (os poros da pele, os pelos da barba e os cabelos) impressiona!
Com curadoria de Hervé Chandès e Grazia Quaroni, a exposição, concebida pela Fondation Cartier pour l’art contemporain, Paris/França, apresenta esculturas criadas de 2001 a 2013; todas as obras foram feitas a partir de um modelo em argila, em que o artista utiliza diversas técnicas e materiais, como resina, fibra de vidro, silicone e acrílico.
A segunda escultura, em pequena dimensão, À deriva, é um homem deitado sobre um colchão de ar, boiando. O que ele estará fazendo: somente tomando sol ou está (como sugere o título) sem rumo? Com a próxima obra impossível não refletir sobre a cena: em Jovem casal, vista de frente, o rapaz parece conversar com a namorada, mas de traz o gesto pode contradizer com a expressão facial deles. Em seguida, Mulher com as compras também incita a refletir: a mãe traz o bebê colado ao peito e sacolas de compras nas mãos (a criança olha diretamente para a mulher, que mantém o olhar vago). Na outra sala o público fica de frente com um gigante frango morto pendurado no teto: a textura da carne do animal, as penas restantes, as patas e o corte do pescoço (onde a gordura e os músculos estão à mostra) deixam o espectador intrigado com tamanha semelhança com o real. A outra escultura também provoca impacto: em Mulher com galhos, em tamanho pequeno, uma mulher nua, curvada para trás carrega um imenso feixe de galhos sob o peito e parece observar o visitante; ao passar pela obra, a impressão que se tem é que a mulher segue com o olhar o espectador. Também em tamanho diminuto, a outra escultura, Juventude, mostra um rapaz negro com a camiseta levantada olhando assustado para o corte em sua lombar. Impossível não imaginar que tipo de violência aquele rapaz acabara de sofrer. No catálogo da mostra — muito bem elaborado, com textos elucidativos de Tatiane Gusmão e Mila Chiovatto — há a sugestão de associar o corte do rapaz com a ferida de Jesus crucificado. A sala seguinte traz Homem em um barco, em que um barco de tamanho real transporta um homem nu, em miniatura, com olhar distante que não se cruza com o do público. O modelo é o pai do artista e novamente a obra incita o espectador a imaginar em que aquele homem pensa.
Depois de percorrer toda a mostra, na última sala, o público pode assistir ao vídeo Natureza morta: Ron Mueck trabalhando, que traz o artista criando suas esculturas; interessante ver o processo criativo de obras que acabaram de ser apreciadas!
A última obra fica num local privilegiado da Pinacoteca, no Octógono, a parte central do museu, com luz ambiente. E o detalhe da luz é providencial: em Casal debaixo do guarda-sol, dois idosos (em tamanho gigante) estão tomando sol, numa cena corriqueira, em que o homem está deitado no colo da mulher. Há carinho, sensação de paz e tranquilidade entre os dois. E outra vez impressiona a riqueza dos detalhes, com veias, textura da pele e musculatura (de pessoa mais velha), pestanas, pelos e cabelos brancos.
Não desanime por causa do tamanho da fila: Exposição Ron Mueck envolve o espectador que, além de apreciar as esculturas, sente necessidade de criar o contexto e a cena registrada em cada obra. O prazer que senti terminada a exposição foi infinitamente maior e mais intenso do que vivenciei ao visitar a Bienal deste ano.
Roteiro:
Exposição Ron Mueck. Pinacoteca do Estado de São Paulo, Pr. da Luz, nº 2, tel. (11) 3324-1000. Horários: de terça a domingo das 10h às 17h30 (quinta das 10h às 22h). Ingressos: R$ 6 (meia R$ 3); quinta após 17h30 e sábado grátis. Temporada: até 22 de fevereiro de 2015.
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