Ponciá Vicêncio: envolvente romance da escritora Conceição Evaristo

De em novembro 7, 2024

 

Lançamento da Pallas, livro da escritora mineira traça perfil da personagem que dá nome à obra

 

 

 

Geralmente minhas resenhas literárias são de lançamentos ou de obras recentes, sempre de autores brasileiros contemporâneos. No entanto, no último mês, me deparei com a obra de Conceição Evaristo, Ponciá Vicêncio, terceira edição lançada em 2017 pela Pallas Editora, e não consegui parar de ler um só minuto até chegar ao final!

 

 

 

Com uma linguagem encantadora e envolvente,  a autora  — imortal da Academia Mineira de Letras — relata a história sensível de Ponciá Vicêncio, uma garota que vive na roça com seus pais e o irmão e sonha em mudar de vida. Ponciá adolescente resolve enfrentar os desafios da cidade, pega o trem e deixa tudo para trás. Seus caminhos, andanças, sonhos e ilusões convivem com os desencantos, desilusões e descaminhos; tudo relatado com poesia, graça e profundidade, numa mescla de presente, passado, lembranças e vivências.

 

 

 

 

 

 

 

 

Conceicao Evaristo considera suas personagens como parentes

 

 

Conceição Ponciá Evaristo Vicêncio. Uma brincadeira misturando o nome da escritora mineira com o da personagem que ela criou; mas a própria Conceição, no prefácio do livro, admite sua admiração e identidade com sua cria, dizendo que suas personagens são suas parentes:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

“Há uma parenta da qual eu gosto particularmente. Essa é Ponciá Vicêncio. Nossa afinidade (Ponciá e eu) é tão grande, que, apesar de nossas histórias diferenciadas, muitas vezes meu nome é trocado pelo dela. Recebo o nome da personagem, de bom grado. A história que ofereço a vocês não é a minha história e sim a de Ponciá, mas, quando me chamam por ela, quando trocam o meu nome pelo dela, orgulhosamente respondo: presente! ”, confessa Conceição Evaristo.

 

 

 

 

 

 

A história de Ponciá, narrada na terceira pessoa, não é contada seguindo a linha do tempo. Há idas e vindas e autora foca sempre no mundo interior da personagem: Ponciá lembra-se da infância na roça, de seu medo de passar pelo arco-íris (diziam que menina que passasse por debaixo do arco-íris virava menino), de sua decisão de pegar o trem para a cidade. No instante seguinte, a trama já está na cidade, Ponciá com seu homem. Lembranças de vários momentos da vida que se fundem com seu cotidiano:

 

 

 

 

 

 

 

O grito do homem reclamando da lerdeza de Ponciá fez com que, mais uma vez, ela interrompesse as lembranças. Apesar da ida e vinda dela no tempo, em poucos instantes a janta ficou pronta.”

 

 

 

 

 

Das lembranças da infância, vem à tona o que a motivou vir para a cidade. “Cansada da luta insana, sem glória, a que todos se entregavam para amanhecer cada dia mais pobres, enquanto alguns conseguiam enriquecer a todos os dias.” A autora, pelas andanças de Ponciá, denuncia as péssimas condições de trabalho no campo e a exploração ainda presente na zona rural, numa espécie de semiescravidão, além de falar sobre a migração para a cidade e a continuidade da exploração, com trabalhos de pouca remuneração a essas pessoas e a falta de oportunidade.

 

 

 

Paralelamente à trajetória de Ponciá, a trama também relata a vida de seu irmão, Luandi José Vicêncio, que depois da morte do pai parte para a cidade,  onde ele deseja se tornar um soldado. Diferente da irmã que aprendeu a ler, Luandi nunca foi apresentado às palavras. Consegue se empregar na delegacia, como faxineiro, e fica amigo do soldado Nestor.

 

 

 

 

 

 

Soldado Nestor quando podia, quando o delegado e o soldado branco não estavam de plantão, sozinho, ensinava a Luandi assinar o nome. Ficava preocupado com o moço, ele queria, porque queria ser soldado.”

 

 

 

 

O destino dos irmãos na cidade não os aproximou e ambos voltam ao povoado para ter notícias. Um elo entre eles é a velha Nênga Kainda, que além de abençoá-los faz profecias sobre o futuro deles ao lado da mãe, Maria Vicêncio. De volta à cidade, eles tocam suas vidas e Luandi é convidado pelo soldado Nestor a visitar uma exposição de utensílios de barro e o rapaz se emociona ao encontrar peças criadas por Ponciá e a mãe.

 

 

 

 

No desfecho da obra, Conceição Evaristo lança mão da poesia e da filosofia: sua prosa/poética traz uma profundidade ímpar, com Ponciá e Luandi tendo revelações e entendimentos sobre a existência.”A vida era um tempo misturado do antes-agora-depois-e-do-depois-ainda. A vida era a mistura de todos e de tudo”. No posfácio, a professora Maria José Somerlate Barbosa faz uma análise profunda da obra, ressaltando sua importância:

 

 

 

“Além de apresentar uma trama psicológica e emocional complexa, Ponciá Vicêncio retrata  e analisa questões sociais e raciais. Escrito de dentro para fora, o romance apresenta muitas das mesmas qualidades da poesia lúcida e insone da autora. Há muito não lia um texto que captasse tão sinceramente os elos de ternura e afeição entre os personagens e que simultaneamente trabalhasse a linguagem de forma bastante poética, expressando tanto a ânsia de definir sua identidade num ambiente marcado pelas diferenças econômicas, sociais e raciais. Ave, palavra! ”, conclui a professora.

 

 

 

 

 

 

Ficha técnica:
Título: Ponciá Vicêncio
Autora: Conceição Evaristo
Editora: Pallas, 120 pgs
Preço: R$ 40

 

 

 

 

 

 

Fotos: divulgação


2 Comentários

ADriana Bifulco

novembro 7, 2024 @ 18:01

Resposta

Texto maravilhoso!! Conceição Evaristo é perfeita!! Mais um para a minha listinha….que só aumenta. Muito bom!!

Maurício Mellone

novembro 7, 2024 @ 18:10

Resposta

Adriana, querida:
A Conceição encanta com sua escrita: fiquei fascinado desde as primeiras
linhas de ‘Ponciá Vicêncio’!
Leia vc vai amar
Obrigado pela sua presença constante por aqui
Beijos

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