De Maurício Mellone em outubro 22, 2024
Encenada atualmente com imenso sucesso em diversas partes do mundo, a peça Prima Facie, da dramaturga australiana Suzie Miller, teve temporada de êxito no Rio de Janeiro e está em cartaz no Teatro Vivo, com temporada estendida até 1º de dezembro.
Primeira experiência solo de Débora Falabella, espetáculo, dirigido por Yara de Novaes, trata de um tema delicado e que precisa ser denunciado, sempre: a violência sexual, o estupro praticado contra as mulheres, geralmente por pessoas próximas, como pai, marido/namorado, irmão, tio ou outro conhecido. O texto no início traz a advogada Tessa em ação, exercendo sua profissão com clientes inclusive acusados de violência sexual. No entanto, há uma inversão na história e ela passa a ser vítima. Neste momento é que Tessa constata na pele a injustiça do sistema judiciário.
Com cenário assinado por André Cortez em que cadeiras em sobreposição representam uma sala de júri, a advogada demonstra como funciona um julgamento e como ela atua. Num ritmo alucinado de falas e gestos ela explica como a lei é exercida e revela os bastidores do sistema. Tessa explicita inclusive sua técnica e estratégias de atuação durante um julgamento.
Paralelamente à carreira, ela conta sobre sua relação com Daniel, seu sócio e amigo. Descreve a proximidade deles até o dia fatídico, em que passaram várias horas juntos, beberam e fizeram amor. Porém, ela passa mal, ele a ajuda, mas em seguida força novo ato sexual:
“Fica quieta, quero transar com você”.
A partir deste momento há uma alteração brusca na condução da narrativa e na atuação da atriz. O ritmo tresloucado de falas e gestos passa a ser contido, diminuto e a advogada revê todos os seus princípios e visão sobre a Justiça.
“A peça de Suzie Miller ajuda a iluminar: que qualquer ato sexual forçado e não consentido é um estupro, mesmo que a mulher que diga o NÃO esteja nua, na cama, após um ato sexual consentido. Uma relação sexual tem de ser uma correspondência de corpos e prazeres, sempre no plural, consensual, desejada plenamente”, enfatiza Yara de Novaes no programa da peça.
Violência sexual, tema central da peça, é um problema muito grave no mundo e no Brasil. De acordo com dados desenvolvidos pelo IPEA no estudo Atlas da Violência/2023, ressaltados pela defensora pública do Paraná, Maria Luiza Gomes, “10 mulheres são assassinadas por dia no Brasil. Deste total, 67,4% são negras”. Daí a decisão da atriz pela da escolha deste texto:
“Já havíamos tratado de agressão sexual na peça Neste mundo louco, nesta noite brilhante/2019 . Por que escolho mais uma vez esse assunto? Porque ele é intragável, tira o nosso sono, tira a nossa liberdade. Como atriz, essa é a única maneira de lidar com a impotência que sinto diante dessa realidade. Talvez essa seja a minha forma de contribuir para uma luta contínua por proteção e justiça”, argumenta Débora Falabella.
Na trama, o caso de Tesa vai a julgamento e, por ironia, ela precisa que alguém a defenda. Entretanto, a advogada constata que as leis são feitas e exercidas por homens e entende que Lei não é a Justiça. Ela pede para se defender e é neste instante da trama que Tessa critica duramente o sistema judiciário.
“Prima Facie nos convoca ao inconformismo. É preciso questionar as estratégias do combate à violência de gênero. É preciso, acima de tudo, como nos desperta Tessa, questionar quem pilota o sistema. É urgente reconstruir seus alicerces”, acredita Maria Luiza Gomes.
Além do peso e da importância do texto, a montagem deve ser ressaltada pela direção sensível e precisa, pela iluminação, figurinos e cenários condizentes com o enredo e pela tocante trilha sonora. No entanto, o maior destaque do espetáculo é para o desempenho em cena de Débora: a atriz mostra todas as nuances da personagem e é impressionante como tem pleno domínio de seu ofício. O público fica em silêncio uníssono nas últimas cenas. E ao final, como não poderia deixar de ser, a atriz é ovacionada! Débora Falabella é merecedora de todos os prêmios, que certamente virão.
Roteiro:
Prima Facie. Texto: Suzie Miler. Tradução: Alexandre Tenório. Direção: Yara de Novaes. Com: Débora Falabella. Cenário: André Cortez. Figurino: Fabio Namatame. Iluminação: Wagner Antonio. Trilha sonora: Morris. Fotografia: Annelize Tozetto. Produção executiva: Catarina Milani. Direção de produção: Edson Fieschi e Luciano Borges. Realização: Borges & Fieschi Produções e Antes do Nome.
Serviço:
Teatro Vivo (274 lugares), Av Doutor Chucri Zaidan, 2460, tel. 11 3279-1520. Horários: de quinta a sábado às 20h; domingo às 18h. Ingressos: R$150 e R$40. Venda: Sympla. Duração: 100 min. Classificação: 14 anos. Temporada: até 1º de dezembro.
#primafacebrasil
2 Comentários
Adriana Bifulco
outubro 24, 2024 @ 15:18
O espetáculo deve ser incrível, não só pela competência da atriz, como também pelo tema, infelizmente tão atual.
Sua resenha nos faz imaginar toda a trama e o cenário. Com certeza, um espetáculo imperdível.
Maurício Mellone
outubro 24, 2024 @ 17:54
Dri:
Se vc puder conferir, tenho certeza q irá amar e se emocionar!
Obrigado pela presença
Beijos