De em dezembro 15, 2011
Neste final de ano somos brindados com RecantoGal, o mais recente CD de Gal Costa, que segundo o compadre e amigo Caetano Veloso “é uma das mais emblemáticas figuras da música popular brasileira moderna”. O compositor baiano confessa no encarte do disco que há três anos sonhava em fazer um grupo de canções só para ela gravar: “Compus pensando na voz dela e em programações eletrônicas. Senti necessidade de dizer justo essas coisas através dela. É a música que tanto Gal quanto eu tangenciamos e adoramos”.
Aqui temos a grata satisfação de termos contato com este novo trabalho por meio de Luiz Líbano. Deliciem-se e não se esqueçam de deixar comentário ao final!
RecantoGal
Tudo Dói/
Tudo Dói/
Tudo Dói
Esses são os versos da quarta canção homônima do radical e vanguardista CD RecantoGal, o mais recente álbum da cantora baiana Gal Costa, lançado no início de dezembro pela Universal Music, uma produção dirigida por Caetano Veloso e seu filho Moreno. Nele, apenas Mansidão (composta para Jane Duboc) e Madre Deus (composta para o Onqotô, espetáculo do grupo Corpo) não são inéditas. As demais peças musicais formam o que se pode chamar de um noneto/novena à parte, realmente à parte, devido à estranheza que se tem ao ouvi-las, o que não quer dizer (de imediato) falta de beleza, muito pelo contrário.
A beleza de RecantoGal não se descobre na primeira audição, pois de primeira orelhada o estranhamento é tamanho, porque o alumbramento só se dá lá pela terceira, quarta ou quinta vez que se escuta essa obra fonográfica decididamente única (para poucos, não para moucos) ou para os adoráveis loucos que se dão o trabalho (prazeroso/investigativo) de descobrir o que é que a verdadeira boa música tem.
A resposta não é imediata, logicamente, pois a surpresa é a chave misteriosa das obras de arte únicas. Este Recanto RadiGal pode-se dizer fatal pelo choque inicial, pois de cara o ouvinte se depara com a capa do CD em que aparece a cara frontal da cantora, acompanhada de uma espécie de flor de arame esverdeada em neon, sugerindo a convivência do eletrônico (contemporâneo) com o humano nordestino (sobrevivente, sertanejo e necessário), voz da resistência. Ao acionarmos o play, nos deparamos com Recanto Escuro: poesia de beleza cortante, reforçada pela base instrumental mais rascante e cortante ainda, como os discos de vinil riscados, incômodos, que nos levam aos cômodos indesejados, como por exemplo:
O chão da prisão militar/
Meu coração um fogareiro/
Foi só fazer pose e cantar/
Presa ao dinheiro
Realmente Caetano Veloso transporta para os versos dessa obra prima, de poesia inquestionável, o que há de mais profundo e belo, já que a arremata assim:
Coisas sagradas permanecem/
Nem o Demo as pode abalar/
Espírito é o que enfim resulta/
De corpo, alma, feitos: cantar
E como cantar é a praia de sua musa (ou a de muitos como Tom Jobim, eu e outros fãs), Gal empresta sua mara-voz, não uma mera-voz (como um estúpido já ousou dizer) para cantar músicas difícílimas nesse álbum sem uma classificação genérica, coisa que o limitaria. Pode-se dizer – sim – que há duas canções dançantes: Neguinho e Miami Maculelê ; a primeira o que se poderia chamar de pop-disco-dance e a segunda um dance-pancadão, bem ao estilo carioca, mas ambas com a elegância crítica que só um mestre conhecedor de sua arte como CaetanoVeloso sabe criar para a mara-voz de Gal se abrir, cantar e nos preparar para o encerramento, com o repente divino Segunda, em que o afilhado da cantora (Moreno Veloso) se supera num arranjo de despertar toda a ancestralidade nordestina e no qual usa violão, cello, prato e faca numa espécie de oração:
Essa é a última cerveja/
Bendigo quem vai à igreja/
Quem não vai, louvado seja/
Segunda é dia de branco
É preciso dizer algo mais? Certamente não, apenas nos recolher ao nosso canto interno, resguardando-nos do inverno e ouvir atentamente esse Recanto Puro, Escuro, o qual nos iluminará, nos fascinará, nos tirará do escuro, já que arte também foi feita pra isso, Neguinho!
Luiz Líbano
Fotos: divulgação
4 Comentários
Ricardo Guilherme
janeiro 4, 2012 @ 22:59
Hoje tive uma grata surpresa: adquiri “recanto gal” e fiquei assombrado com a genialidade das composições e arranjos. Gal Costa está (continua?) perfeita. Sem sombra de dúvida, uma obra-prima da nossa MPB!
Maurício Mellone
janeiro 5, 2012 @ 16:23
Ricardo:
Fico contente q vc tenha gostado do trabalho em parceria da Gal e Caetano.
Confesso que não me encantei logo de cara: é preciso mais tempo para
apreender e compreender a proposta do álbum. Hoje já estou bem mais
inteirado das canções.
Obrigado pela visita e volte sempre
abr
Luiz Carlos Líbano
dezembro 16, 2011 @ 00:56
Agradeço-lhe, Maurício, uma vez mais pela cessão desse significativo espaço. Espero que tenha gostado do que escrevi e se interessado pelo CD.
Maurício Mellone
dezembro 16, 2011 @ 15:55
Luiz:
Estou ouvindo com atenção este novo trabalho do Caetano e da Gal (o CD é uma parceria na verdade) para poder
apreender melhor a nova obra!
Parabéns e obrigado
bjs