De Maurício Mellone em junho 13, 2019
Se apresentar ao público uma obra literária já é uma tarefa árdua, imagina duas! Pois foi isto que o jornalista e escritor Marcelo Brettas acaba de fazer. Por meio da recém-criada Editora Koju, o autor lançou Tô levitando, um depoimento minucioso e corajoso de todo o processo por que passou durante o tratamento de um câncer, e Florestas Imaginárias, que reúne 158 poesias, ilustradas por fotografias que ele mesmo produziu.
Com vasta carreira na imprensa — além de ter sido proprietário de uma editora, foi editor em revistas, jornais e em emissoras de TV do Brasil e da Europa —, Brettas confessa que é na ficção que se encontra pleno:
“Na poesia, nos romances e contos encontrei o verdadeiro sentido da escrita e o prazer de poder compreender a liberdade em sua plenitude”.
Logo na introdução de Tô levitando o autor explica que o todo o livro foi construído em sua cabeça durante o período em que esteve na UTI, recuperando das complicações surgidas depois de uma cirurgia de câncer, como uma estratégia para se manter vivo. Depois de todo o processo de tratamento, relutou em colocar no papel, mas como que ‘mediunicamente’ redigiu tudo e ao final chegou a duvidar de que tinha passado por tudo aquilo que descreveu.
Por mais que o relato, corajoso e com uma função de catarse, contenha os mínimos detalhes sobre os procedimentos médicos pelos quais foi submetido, Marcelo envolve o leitor justamente pelo formato que optou para a construção do livro. Os capítulos — com títulos referentes a datas em relação à descoberta da doença … 72 horas antes, sol fraco /…39 anos antes, vento frontal — intercalam os momentos sobre o tratamento médico com reminiscências de sua história.
Desta forma o leitor vai montando o quebra cabeça sobre a vida do autor, com histórias de sua infância, suas viagens pelo mundo, as aventuras vividas em cima de bicicletas ou motos (suas eternas paixões), personagens que ele conheceu como repórter e fotógrafo, vivências da adolescência e de sua militância política e o fio condutor de todo o processo de recuperação da doença até o presente.
No final, Brettas confessa nunca ter sido leitor de livro de autoajuda, mas admite a força dos bons fluidos: “Tenho a certeza de que partilhar boas energias e estar sempre aberto para receber ou doar o que temos de melhor é um modelo eficiente em qualquer momento de nossas vidas. Se traz ou não a cura, pouco importa; mas com certeza nos fortalece e transforma em pessoas melhores”.
Imagens e poética
Se na prosa o autor relata momentos cruciais de sua existência, na poesia Marcelo revela-se por inteiro:
“…é nela que me permito ser/
só/
essência/
sem ciência ou lógica..”
Florestas Imaginárias é composto de 158 poesias, todas ilustradas por fotos. Na apresentação, o escritor Lopito Feijóo, considerado um dos mais importantes poetas angolanos da atualidade, ressalta a ligação da poesia e da fotografia no livro: “Podemos então dizer que se trata da apresentação de duas obras em simplesmente uma. Uma da poética da palavra poética e outra poética da imagem plástica. Ambas interagem em jeito de complementariedade.”
Marcelo há tempos vem postando suas poesias na página Pó dá Azia, do Facebook. No entanto o livro amplia este espaço e revela seu rigor poético, seu ritmo e estilo próprios, muitas vezes próximo da poesia concreta, recheada de aliterações:
“farto de tudo/
da falta de sempre/
da fatura atrasada/
da fartura vazia/
cansei do fato feito/
que corrói e corrompe
tortura a mente”
Os temas dos poemas são os mais variados. A palavra, a escrita, porém, são recorrentes e Marcelo faz referências e cita grandes poetas da literatura mundial:
“Eu odeio poesia/
odeio as rimas fáceis/
…Quero romances reais, estou carente de uma boa prosa/
Preciso conhecer pessoas como Fernando
Visitar os campos de Haroldo e de Augusto
…Quero enrolar a minha língua e meus sentidos
com Mallarmé, Goethe, Pound, Valery”
O leitor percebe com o decorrer da leitura que Marcelo, por mais que diga que “deu um basta na profissão”, permanece um editor, e dos bons! As poesias estão muito bem selecionadas, uma ao lado da outra, conversam entre si, além de estarem em perfeita comunhão com as imagens. A visão política e a preocupação do autor com as questões sociais e humanísticas também estão de forma intrínseca em sua obra poética:
“… nego regras contraditórias e cegas/
rasgadas ao longo de toda história/
injustas leis dessa oligarquia podre/
que só pede escusas/
em parcas preces/
enquanto rouba e mata o povo/
sem pressa…”
O próprio autor confessa que do amor ele pouco fala, mas pra combater esta crítica ele dispara:
“… Minha vida/
isso é fato/
é feita de carícias/
construções a dois/
alguma dose de dor/
nada a tirar ou por
… Meu amor é mudo/
não cabe em palavras simples …”
Podia ficar aqui citando várias outras poesias, são tantas e tão belas. Mas o importante é ter acesso a todas. Para mais informações, acesse o site da editora ou ligue para 11 99652-7506.
Ficha técnica:
Tô levitando (172 pg) e Florestas Imaginárias (120 pg)
Autor: Marcelo Brettas
Editora: Koju (editorakoju.com.br)
Fotos: Marcelo Brettas/divulgação
2 Comentários
Dinah
junho 14, 2019 @ 16:19
Muito bacana sua resenha dupla, Maurício!
Como te disse, ainda não li os livros do Marcelo – que demorou, mas resolveu também ostentar o título de autor (que bom pra todos nós, amigos e leitores!) – e podemos trocar algumas figurinhas depois da minha leitura.
beijo
Maurício Mellone
junho 17, 2019 @ 10:24
Dinah,
bom dia
Vamos sim trocar figurinhas sobre os livros do Marcelo.
Acho q vc vai gostar muito dos poemas dele e o de prosa
é o que ele põe pra fora todo o processo de superação
da doença gravíssima porque ele passou (câncer e as
complicações). Um desabafo de coragem!
bjs e voltemos a nos falar sobre estas obras
Mais uma vez obrigado pela presença aqui no Favo, sempre
constante!