De Maurício Mellone em outubro 22, 2025
Num momento em que o mundo vivia sob tensão, às vésperas da segunda guerra mundial, os ditadores Adolf Hitler e Benito Mussolini se encontram em Roma, com uma grande manifestação pelas ruas. Neste dia, 06/05/1938, enquanto toda a família vai ao ato político, uma mulher casada e mãe de seis filhos fica em casa com suas tarefas domésticas e tem um encontro inusitado com um homem que acabara de ser demitido da rádio por ser homossexual. Este o mote central do espetáculo Um dia muito especial, em cartaz no Teatro Sergio Cardoso, protagonizado por Reynaldo Gianecchini e Maria Casadevall.
A peça, adaptada do filme do diretor italiano Ettore Scola, de 1977, estrelado por Sophia Loren e Marcello Mastroianni, é dirigida por Alexandre Reinecke, que assina a adaptação, com tradução de Célia Tolentino. Esta trama, com temporada prevista até final de novembro, já foi encenada no país nos anos 1980 por José Possi Neto, com Tarcísio Meira e Glória Menezes nos papéis centrais.
Com um cenário rico em detalhes — dois apartamentos espelhados, dos anos 1930 —, a trama começa com a exibição de imagens do noticiário sobre o encontro de Hitler e Mussolini enquanto Antonietta (Casadevall) arruma o apartamento depois da saída dos filhos e do marido e o vizinho Gabriele (Gianecchini) está nervoso e pega uma arma para se suicidar quando a campainha toca. Ele esconde a arma e vai abrir a porta, quando Antonietta entra preocupada com o sumiço do pássaro de estimação que voou para janela vizinha; Gabriele consegue salvar a ave e eles iniciam um primeiro contato, um tanto quanto acanhado, pois não têm intimidade. Eles são interrompidos pela zeladora fofoqueira, vivida por Carolina Stofella.
Para retribuir a visita, o rapaz vai até o apartamento de Antonietta e aí sim eles começam uma conversa em que podem se conhecer mais. Ela fala sobre sua vida atribulada e ao mesmo tempo solitária, não tem com quem conversar, a não ser com o pássaro. Ele diz que trabalhava na rádio de onde fora demitido e hoje responde a cartas de consumidores. Ambos percebem que têm vidas muito diferentes e novamente a zeladora os interrompe e faz insinuações maldosas sobre eles.
Um novo encontro ocorre no andar superior do prédio em que as pessoas secam as roupas e a conversa é um misto de confissão, atrito e atração mútua. Antonietta, admiradora do Il Duce, fala de seus sonhos e frustrações (é traída pelo marido machista) e, por sua vez, Gabriele confessa sua homossexualidade e o temor que sente de sistemas autoritários e preconceituosos. Nasce uma amizade e uma atração, apesar deles serem tão diferentes e com visões de mundo opostas.
Mesmo com a trama situada nos anos totalitários do nazi-fascismo, a discussão criada pelo casal sobre amor, discriminação, aceitação das diferenças e o que une ou afasta as pessoas é atual e faz com que o público reflita sobre a realidade contemporânea. A adaptação e a direção de Reinecke conduzem para esta profunda reflexão. Outros destaques da montagem ficam para o criativo cenário (com movimentação), para a iluminação inventiva (com nuances de luz externa e interna) e a sensível trilha sonora, que contribuem para a fluência narrativa. A sintonia em cena de Maria Casadevall e Reynaldo Gianecchini é a cereja do bolo: ambos mostram a evolução de seus personagens e como Antonietta e Gabriele se modificam a partir do momento em que se conhecem. Produção bem cuidada, vale muito a pena conferir. Acompanhe a página da peça no Instagram:
Roteiro:
Um dia muito especial. Texto: Ettore Scola e Ruggero Maccari. Tradução: Célia Tolentino. Adaptação e direção: Alexandre Reinecke. Elenco: Reynaldo Gianecchini, Maria Casadevall e Carolina Stofella. Direção de produção: Marcella Guttmann. Produção executiva: Tatiane Zeitunlian. Iluminação: Cesar Pivetti. Cenários: Marco Lima. Trilha sonora: Dan Maia. Fotografia: Priscila Prade. Visagismo: Robson Souza. Figurino: Ricardo Almeida e Debora Ceccatto. Produtores associados: Reynaldo Gianecchini e Alexandre Reinecke. Realização: Reinecke Produções Culturais Ltda.
Serviço:
Teatro Sérgio Cardoso (827 lugares), Rua Rui Barbosa, 153, tel 11 3288-0136. Horários: sexta às 20h, sábado às 17h e às 20h e domingo às 17h. Ingressos: de R$ 70 a R$ 200. Vendas: Sympla. Duração: 90 minutos. Classificação:10 anos. Sessões populares: dias 30/10, 6 e 13/11, às 20h. Temporada: até 30/11/2025.
2 Comentários
Adriana Bifulco
outubro 27, 2025 @ 18:22
O espetáculo deve ser incrível, tanto pela trama, tão atual, quanto pela atuação de dois atores tão competentes.
Obrigada por mais esta resenha que nos faz imaginar o cenário. Vou querer assistir!!
Maurício Mellone
outubro 28, 2025 @ 15:24
Adriana, querida:
Sem dúvida, a trama do diretor Ettore Scola ainda
é atual, infelizmente: machismo, homofobia (por exemplo)
ainda permanceem presentes nas relações humanas.
A peça é baseada no filme de Scola, de 1938!
Obrigado pela visita. Se puder assistir, vc vai adorar!
beijos