De Maurício Mellone em junho 26, 2025
Um único cenário e apenas duas mulheres como personagens. Parece a descrição de uma peça teatral, mas se trata na realidade do filme Virgínia e Adelaide, dirigido pelo experiente Jorge Furtado e pela estreante Yasmin Thainá. A trama narra o encontro de Virgínia Leone Bicudo, interpretada por Gabriela Correa, uma socióloga negra que procura a psicanalista judia/alemã Adelaide Koch, papel de Sophie Charlotte, para tentar resolver seu trauma pessoal, o racismo, além das sequelas do bullying sofrido na infância.
O primeiro encontro delas acontece em São Paulo, em 1937, um ano após a chegada ao Brasil da família de Adelaide (ela, o marido e duas filhas), que fugia da perseguição nazista aos judeus na Europa. Depois do primeiro contato, elas iniciam o processo terapêutico que durou uns cinco anos. A partir de então, já amigas, Virgínia e Adelaide lutam para a consolidação da psicanálise no Brasil, além de enfrentarem racismo, xenofobia, machismo e discriminação.
O filme começa com Virgínia, aos 27 anos, chegando à residência de Adelaide, na época com 41 anos: depois de uma conversa sincera em que a brasileira expõe sua necessidade do auxílio profissional da psicanalista, Adelaide aceita iniciar o processo terapêutico. Os diretores deixam evidente que personagens, locais e fatos são reais, já os diálogos são ficcionais. Há uma ajuda mútua entre elas, já que Virgínia deseja sanar as feridas causadas pelo racismo e Adelaide precisa iniciar na prática sua profissão no país (Virgínia foi sua primeira paciente), além de aprofundar seus conhecimentos do idioma e cultura brasileira.
O inusitado do roteiro, assinado por Jorge Furtado, é que no início as sessões de terapia são reveladas em detalhes, com as minúcias das falas da paciente, seus atritos com a terapêutica (na verdade conflitos íntimos), as conclusões que elas chegam e até as confissões da própria terapeuta. O passar dos anos é mostrado pela sucessão das sessões terapêuticas (não mais vistas em detalhes) e por imagens históricas; tanto uma como a outra aparecem relatando fatos da história, como a instalação do Estado Novo no Brasil pelo ditador Getúlio Vargas, o avanço do nazismo pela Europa, com a exibição de cenas da Noite dos Cristais, em que 250 sinagogas foram incendiadas e cerca de 7 mil estabelecimentos e residências de famílias judias foram destruídos na Alemanha.
Cansada com o atraso do país e com as injustiças sociais, Virgínia viaja e passa uns tempos em Londres. Ao regressar, elas se reencontram e Adelaide nota como a amiga está amadurecida e feliz. A batalha pela divulgação e institucionalização da psicanálise no país é retomada por elas, o que as une ainda mais, tornando um laço de amizade profundo e duradouro.
Além de lidar com temas pungentes para a época retratada no filme — racismo, xenofobia, machismo, guerras, extermínios —,Virgínia e Adelaide faz com que o espectador reflita sobre estes assuntos, infelizmente ainda tão presentes no mundo atual. Com um formato simples (praticamente um único cenário, a residência de Adelaide), o filme envolve o espectador, que se emociona com a história de vida destas duas grandes mulheres, além de aguçar a curiosidade para descobrir mais sobre a biografia de Virgínia Bicudo e Adelaide Koch. Destaque para a composição de personagem, tanto de Sophie Charlotte que criou seu sotaque lembrando do falar de sua avó, como de Gabriela Correa, que mostra a evolução de sua personagem.
Fotos: divulgação
2 Comentários
Mario Garrone
junho 26, 2025 @ 16:57
Maurício, pena que o filme não esteja atraindo público, como merecia. Um filme brasileiro com uma linguagem incomum, delicado e com atuações muito sensíveis de Gabriela Correa e Sophie Charlotte. Espero que a sua resenha ajude a aguçar a curiosidade das pessoas e as leve ao cinema. Bom lembrar que Adelaide, a psicanalista alemã, era mãe da pintora Eleonore Koch, morta em 2018 ( a partir da morte, como já aconteceu outras tantas vezes, Eleonore passou a ter o reconhecimento que não teve em vida). Vamos torcer para que mais gente se interesse por Virginia e Adelaide!
Maurício Mellone
junho 26, 2025 @ 17:29
Mario, querido:
a sessão a que assisti ao filme tb estava com poucos
espectadores… infelizmente. O filme é sensível e com temas
tão impactantes até hoje.
Obrigado por citar a filha da Adelaide, artista plástica
tb só reconhecida depois de morta.
Volte outras vezes me visitar aqui
abraços