De em julho 4, 2011
Na comédia italiana Estranhos Normais (Happy Family) que acaba de estrear, desde a primeira cena o espectador é convidado a entrar e ao mesmo tempo ser cúmplice da história que será contada. Por trás da cortina de um teatro estilizado que se abre, Ezio (Fabio De Luigi), roteirista de cinema, dá uma piscadela e começa a relatar seu drama. Recém-separado, ele ficou sem nada do casamento, apenas com um LP da dupla Simon & Garfunkel (Paul Simon e Arthur Garfunkel) e quer criar logo uma história de amor para não se deprimir. Com o mote de dois jovens de 15 anos que resolvem se casar, as histórias de vida de suas famílias começam a se entrelaçar. O roteirista escreve e, na medida em que apresenta os personagens, eles vão ganhando vida na tela. As duas famílias são de mundos opostos e cada um de seus membros com uma característica bem peculiar e engraçadíssima; há o adolescente Filippo (Gianmaria Biancuzzi) muito sério e responsável e sua futura noiva Marta (Alice Croci), uma garota irreverente e displicente. As mães são neuróticas, a avó do garoto é maluquinha (está com Alzheimer, mas cozinha divinamente bem), o pai de Marta vive com seu cigarrinho de maconha e até os cachorros se apaixonam!
Metalinguagem pura, a história dentro da história: da sala e do computador de Ezio, a câmera nos leva para os cenários em que vivem seus personagens. No entanto, o inusitado da trama — uma parceria do diretor Gabriele Salvatores com o ator e dramaturgo Alessandro Genovesi (autor da peça Happy Family que gerou o filme)— é que Ezio num determinado momento passa a ser personagem de sua própria história. Nesse momento o espectador já está totalmente integrado à loucura criada pelos verdadeiros roteiristas e a empatia é total, com cenas hilárias. Em crise de criação, Ezio para de escrever e seus personagens não se conformam e passam a reivindicar o reinício da história, sugerindo inclusive novos destinos para suas vidas!
Com longos passeios de câmera pelos cenários e a nítida separação do mundo do roteirista para o mundo da ficção, Salvatores enfatiza sua brincadeira metalinguística. Uma cena, em particular, me chamou muito a atenção e me emocionou. Caterine (Valeria Bilello) vivia sonhando e durante sua apresentação como solista de piano, seu sonho é em preto e branco. Mas o sonho revela a Milão de hoje, com as pessoas nas ruas, no metrô, em seu cotidiano. O onírico é o real!
Os roteiristas finalizam com um sutil toque romântico, para satisfazer o desejo do roteirista ficcional. As cenas de bastidores com os créditos finais são imperdíveis e reafirmam o caráter de metalinguagem dessa comédia envolvente.
4 Comentários
Mario Viana
julho 6, 2011 @ 18:11
Saí do cinema sem entender porque a crítica não gostou do filme. É uma delícia. Quebra o ritmo, altera os personagens, nos liga a todos… enfim, valeu mesmo ter visto.,
O filme caminha lado a lado com Pirandello, que é até citado nos diálogos. Essa coisa do personagem querer mais do que o autor dá, isso é mega-pirandelliano. E, melhor ainda, transposto tão naturalmente pros dias de hoje, que a gente até esquece que a inspiração vem de um dramaturgo do século 19….
Filmaço.
Maurício Mellone
julho 7, 2011 @ 11:02
Mário:
Tinha certeza q vc iria adorar. E também contribui para a sua tese sobre o humor na obra de arte.
Em muitos momentos nos lembramos de “Seis Personagens a Procura de um Autor”; belíssimo mesmo!
bjs
Rico
julho 5, 2011 @ 15:29
Assiti também e achei bem interessante e leve a maneira que ele aborda as diversas discussões que o filme pode gerar. Poucos personagens, todos bem humanos, confessando seus medos e neuroses. Boa dica. Bjo
Maurício Mellone
julho 6, 2011 @ 12:06
Rico:
Estamos sintonizados! O filme é envolvente e divertido mesmo!
Obrigado
bjs