De Maurício Mellone em fevereiro 9, 2012
A Mão
… Entre o cafezal e o sonho/
A mão está sempre compondo/… A mão sabe a cor da cor/
e com ela veste o nu e o invisível./
… Entre o sonho e o cafezal/
entre guerra e paz/
entre mártires, ofendidos,/
… entre o amor e o ofício/
eis que a mão decide;/
…O que era dor é flor, conhecimento/
plástico do mundo./
… e voa para nunca-mais/
a mão infinita/
a mão-de-olhos-azuis de Candido Portinari.”
Carlos Drummond de Andrade
Pura emoção! Não há outra maneira de definir o meu estado de espírito ao sair do Memorial da América Latina depois de visitar a exposição Guerra e Paz, de Portinari. A grandeza não se restringe apenas à dimensão da obra — os dois painéis têm a área total pintada de 280 metros quadrados, cada um deles com 14 m de altura por 10 m de largura, compostos por 28 placas de madeira. Toda a mostra é do mais alto grau de beleza, magnitude e sensibilidade!
Não bastasse expor pela primeira vez os dois painéis — que o próprio Portinari definiu como o melhor do seu trabalho — ao lado de mais de 100 estudos que o artista produziu para o resultado final desta obra, a mostra tem uma apresentação primorosa. Os painéis “Guerra” e “Paz” estão expostos no Salão de Atos Tiradentes, lado a lado, e no centro há uma tela imensa em que é projetado um audiovisual que ressalta a gama de detalhes retratada pelo pintor paulista em cada painel. O poema A Mão, de Carlos Drummond de Andrade, música de Fernando Brant e Milton Nascimento complementam esta fruição estética.
A obra de arte não deve ser explicada, mas sentida. E nisto Portinari também é mestre. Em diversos momentos fiquei muito emocionado com a riqueza de detalhes das cenas sensíveis retratadas nos painéis. No painel “Guerra” não há armas ou elementos de tortura; apenas a dor e o sofrimento estampados nos rostos das pessoas comuns, além “da cavalgada apocalíptica que corta a cena em todas as direções”, como analisa o artista plástico Israel Pedrosa. Chamou-me a atenção também o furor de hienas no sopé do painel e os tons escuros e o azul predominante nos remetendo à dor e morte.
Já no painel “Paz” o que sobressai são os tons pastéis e claros, de harmonia e tranquilidade. O que se vê são crianças, ou brincando ou em coros, adultos em perfeita comunhão com o trabalho e os animais aqui também brincam (pequenos carneiros em festa) ou são aliados do homem comum (o cavalo com um casal de noivos é bem típico desta harmonia). A esperança é o que sobressai deste painel.
Dois pensadores definiram de maneira clara os painéis de Portinari: o historiador Antonio Bento diz que “a Guerra seria representada através dos sofrimentos do povo e não por soldados em combate”. E Israel Pedrosa fala que com “todos esses tons dourados, alegres, crepitantes de vida, o pintor parece nos dizer: ‘a Paz universal é possível. Dia virá em que a humanidade desfrutará a paz sem limites no espaço e no tempo”.
A terra natal de Portinari é que ganhou o grande presente. Os painéis foram compostos de 1952 a 1956, sob encomenda do governo brasileiro para serem doados à ONU, onde estão expostos em local de pouca visibilidade. Com a reforma da sede da ONU, João Candido Portinari (filho do pintor e diretor do Projeto Portinari, responsável pela realização do Projeto Guerra e Paz) se debruçou sobre o projeto de trazer a obra para o Brasil. Durante 12 dias de dezembro de 2010 os painéis ficaram expostos no Theatro Municipal do Rio e depois, de fevereiro a maio de 2011, foram restaurados no Palácio Gustavo Capanema, em ateliê aberto ao público.
E agora São Paulo pela primeira vez tem a chance de mostrar os painéis restaurados, ao lado dos estudos preparatórios de Portinari para a realização de “Guerra” e “Paz”. Na Galeria Marta Traba estão, além destes estudos, documentos, cartas, recortes de jornais e fotografias que contam a trajetória da criação da obra. E finalizando, na Biblioteca Latino Americana, há ainda uma projeção com o conjunto da obra de Portinari, em ordem cronológica.
A mostra fica em cartaz até o final de abril; depois segue para outros países, como Japão e Noruega (em Oslo, na entrega do Prêmio Nobel da Paz em dezembro de 2012) para só em 2013 os painéis retornarem à sede da ONU.
Chance única para ter contato com um dos maiores artistas plásticos brasileiros de todos os tempos.
Serviço:
Exposição Guerra e Paz, de Portinari. Memorial da América Latina, Av. Auro Soares de Moura Andrade, 664, Barra Funda, São Paulo. Entrada pelo portão 4. Terça a domingo, das 9h às 18h. Entrada grátis. Até 21 de abril de 2012
www.guerraepaz.org.br
Fotos: divulgação
6 Comentários
Paula
março 24, 2012 @ 17:54
Eu me emocionei mto…q cara excepcional…
Maurício Mellone
março 26, 2012 @ 14:44
Paula:
Os painéis Guerra e Paz são emocionantes mesmo!
Obrigado pela visita, volte sempre!
abr
Rodrigo Laufen
fevereiro 27, 2012 @ 00:13
Simplesmente maravilhoso e ao alcance de todos, são quadros que remetem muitas emoções …..
Maurício Mellone
fevereiro 27, 2012 @ 14:23
Rodrigo:
Portinari considerou os painéis Guerra e Paz seu mais importante trabalho.
Com certeza ele sabia do que estava falando! Fiquei também muito emocionado
com a exposição.
Abr e obrigado por sua visita detalhada pelo blog!
Laura Fuentes
fevereiro 22, 2012 @ 17:47
Eu já tinha lido a respeito, mas teu texto tão atento aos detalhes tornou urgente minha vontade de conhecer de perto a obra deste grande artista brasileiro.
Maurício Mellone
fevereiro 23, 2012 @ 16:10
Laura:
Não deixe de ir: a mostra está muito bem cuidada (excelente curadoria)
e fiquei emocionado em diversos momentos.
bjs