De Maurício Mellone em outubro 2, 2012
Aconteceu nesta semana no Paon Gall/Café Paon, em São Paulo, o show Te Cuida Ruiva, para contribuir com o tratamento médico de Luli, da dupla Luli & Lucina, autoras de grandes sucessos, muitos deles interpretados por Ney Matogrosso, Nana Caymmi, Rolando Boldrin e Frenéticas. Aproveitando o ensejo, o jornalista — e amante de música — Tadeu Nogueira faz aqui, com exclusividade para o Favo, um retrospecto analítico da carreira e obra das duas cantoras e compositoras. Com seu vasto conhecimento musical, Tadeu resgata um pouco da produção delas, além de nos revelar curiosidades envolvendo a carreira da dupla.
Tadeu, fico muito grato por sua participação e pela confiança depositada no blog. Aos internautas, boa leitura e se puderem, deixem comentários sobre esta resenha e sobre as novidades do blog, o lay out e a navegação. Conto com a colaboração de todos!
Quem tem mais de 30 anos certamente ouviu pelo menos uma música da dupla Luli & Lucina na voz de Ney Matogrosso, que gravou vários temas delas, alguns de muito sucesso, como Bandolero:
Eu, bandolero,/
no meu cavalo alado,/
na mão direita o fado,/
jogando sementes/
nos campos da mente …”
Esta canção, de clima meio cigano, meio flamenco, é um dos sucessos delas. Ney também deve a Luli o fato de ter sido apresentado a João Ricardo e Gerson Conrad, no começo dos anos 70, pouco antes dos três formarem o Secos e Molhados, o mais impactante grupo do pop brazuca naqueles anos cheios de som e fúria. Já no primeiro disco gravariam o imenso sucesso Vira de Luli e João Ricardo:
Vira vira, vira homem,/
vira vira lobisomem…”
Luli & Lucina compuseram mais de 800 canções e tiveram músicas gravadas por gente tão diferente quanto o próprio Ney, Nana Caymmi, Rolando Boldrin e Frenéticas (Luli ajudou a formatar os vocais do grupo), entre outros, mas nunca “estouraram” nas paradas de sucesso. Foram mais um daqueles casos em que as músicas eram bem conhecidas… mas as autoras, não.
Coadjuvante no surgimento da Bossa Nova, na casa de Luli, na Tijuca, a dupla ajudou a criar a ala “oeste” do movimento surgido na Zona Sul, no começo dos anos 60. Dali para a vida comunitária num sítio em Mangaratiba, litoral do Rio, algum tempo depois, foi um pulo. Em plenos anos 70, a experiência era o sonho de muitos jovens, artistas e hippies, que optavam pela arte e pelo desbunde, em contraponto à militância sisuda organizada pelos grupos, facções e partidos políticos.
Na época, os festivais de música eram os principais espaços musicais; assim, em 1971, elas participam do VI Festival Internacional da Canção e, com a canção Flor Lilás, chegam às finais.
Abrindo os horizontes para além da estética bossanovista, Luli & Lucina enveredaram pela pesquisa da música do interior do Brasil. Violões, violas caipiras, tambores de madeira ou cerâmica (fabricados por Luli) e percussões passaram a reinar nas produções. Em 1979 sai o vinil que levava o nome da dupla e foi um dos primeiros discos independentes do Brasil. Gravado dentro de uma igreja, com a ajuda de amigos e a bênção do padre, demorou sete anos até ficar pronto e ser lançado…
Inclassificáveis, mal comparando, são legítimas representantes do folk made in Brazil. Por causa de suas temáticas cheias de citações à natureza, aos índios, aos elementos naturais, ficaram durante um bom tempo com o rótulo de “alternativas”, mas Luli & Lucina escaparam do circuito de bares e das pousadas naturebas ao serem gravadas até por Wanderléa, musa da Jovem Guarda ou Zélia Duncan, com quem Lucina tem parcerias.
Em 1995 gravaram um CD Elis &Elas só com músicas do repertório de Elis Regina. No ano seguinte, em 1996, a gravadora Dabliú, de São Paulo, lança o último trabalho da dupla, uma compilação de sucessos comemorando 25 anos de carreira. Esse CD está disponível para compra e download pelo site
http://itunes.apple.com/br/album/25-anos/id521524858
A ideia é ajudar nas despesas do tratamento de saúde a que Luhli* está se submetendo por causa de problemas circulatórios.
Outra bela iniciativa foi o show Te Cuida Ruiva, organizado no dia 1º de outubro por amigos da cantora. No palco do Paon Gall/Café Paon, em São Paulo, estavam, dentre outros, Tetê Espíndola, Celso Viáfora, Laura Finocchiaro, Socorro Lira, Lucila Novaes, Bandolim Elétrico, Sonekka, Elio Camale, Marcela Biasi, Glaucia Nasser e Rossa Nova.
Passados alguns anos, decantadas as classificações redutoras e voltando a escutar a obra da dupla vem a confirmação: trata-se de música de rara qualidade.
* Com o fim da dupla em 1998, o “h” de Lucinha (depois Lucina) passou para Luli, que virou Luhli.
Tadeu Nogueira
Fotos: divulgação
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