De Maurício Mellone em setembro 19, 2015
Desde o lançamento de seus recentes trabalhos — Estado de Poesia /Chico César e Carbono/Lenine —, confesso ter ficado extremamente sensibilizado com a denúncia e o grito de alerta em duas canções, ambas escritas por Carlos Rennó.
Em Reis do Agronegócio Chico César — só com seu violão e o poder de sua interpretação — denuncia os desmandos e os crimes cometidos pelos ‘produtores de alimento com veneno’. Por sua vez, em Quede Água, Lenine —também com seu violão, mas num arranjo com toda a banda (guitarra, baixo, percussão) e um vigoroso coro —, constata a situação de seca por que vivemos, antevê o futuro e faz um chamado para que seja salvo “o que resta’. Em ambas as canções, o paulista Carlos Rennó e seus parceiros do Nordeste (o paraibano Chico e o pernambucano Lenine) são incisivos na denúncia contra os crimes ambientais cometidos contra a humanidade ao mesmo tempo em que clamam a todos a agir para que possamos ter um futuro!
Há clamores e denúncias comuns nas duas músicas; na canção de Chico é apontado até onde chega o desmando dos poderosos:
“Desmata Minas, a Amazônia, Mato Grosso…:/
Infecta solo, rio, ar, lençol freático. ”
E na de Lenine, os autores também apontam a extensão do problema:
“A seca avança em Minas
Rio, São Paulo
O Nordeste é aqui, agora.”
No entanto o tom e a forma de apontar a realidade que nos cerca são apresentados de maneiras distintas nas duas músicas. Em ‘Reis do Agronegócio’, ao contestar o discurso dos poderosos e apontar seus crimes, o tom é contundente, feroz e implacável:
“Vocês desterram povaréus ao léu…
…Vocês que enxotam o que luta por justiça.
…Vocês que podam e que fodem e que ferram
Quem represente pela frente uma barreira
Já em Quede Água, há a constatação do mal, que ninguém consegue contestar, mas a denúncia tem a intenção de provocar uma atitude do ouvinte:
“Os rios voadores da Hileia
mal deságuam por aqui,
E seca pouco a pouco
em cada veia o Aquífero Guarani.”
Entretanto, nesta canção o vigor e a indignação não deixam de estar presentes, pelo contrário:
“O lucro a curto prazo,
o corte raso, o agrotóxiconegócio,
a grana a qualquer preço.”
Rennó e os parceiros nas duas músicas anteveem um futuro, nada cor de rosa:
“Eu vejo o campo de vocês ficar infértil,
num tempo um tanto longe ainda,
Mas não muito.
Eu vejo a terra de vocês restar estéril” (Reis)
“Algo que parecia tão distante
periga agora tá perto.
…E a tragédia da seca, da escassez,
cair sobre todos nós”. (Quede Água)
Rennó, na parceria com Chico, destrincha todo o ideário dos ‘donos do agrobiz’ e não alivia na denúncia de seus crimes. Com firmeza termina seu longo clamor enfaticamente:
“Que eu me alegraria se afinal morresse
Esse sistema que nos causa tanto trauma”.
Poeticamente, Chico repete estes dois versos e, como que reafirmando para quem dirige a canção, retoma os primeiros versos:
“Ó donos do agrobiz, ó reis do agronegócio
Ó produtores de alimento com veneno”.
O arranjo de Quede Água, por sua vez, vai num crescendo, dando ênfase ao estribilho que é o título da canção, até ter uma pausa para que Lenine proponha:
“Agora é encararmos o destino
E salvarmos o que resta.”
Os poetas no final, da também longa canção, enaltecem as belezas da vida nesta Terra e clamam para que todos ajam:
“Para criarmos alegria para viver/
o que houver para vivermos,/
Sem esperanças,/
mas sem desespero,/
no futuro que tivermos.”
Não deixo me emocionar a cada vez que ouço estas canções, que passam a ser ícones destes nossos tempos atuais. Que cada um de nós ouça, reflita e possa propagar o clamor dos poetas! Acompanhe a seguir clipes das duas músicas:
Reis do Agronegócio
Chico César/Carlos Rennó
Quede Água
Lenine/Carlos Rennó
Fotos: divulgação
2 Comentários
Marcelo Brettas
setembro 19, 2015 @ 15:36
Lindas músicas e ótima resenha!
Maurício Mellone
setembro 21, 2015 @ 14:03
Marcelo,
obrigado, tb adoro as músicas
e não sosseguei enquanto não escrevi
sobre elas, traçando a relação entre elas.
bjs