De Maurício Mellone em dezembro 17, 2013
A sociedade neste início de século XXI vive um momento de extrema violência, em todas as partes do mundo. O que o diretor e roteirista Zhangke Jia discute em seu filme Um Toque de Pecado (Tian Zhu Ding) é como a China, uma das maiores potências econômicas do mundo atual, reage às mudanças radicais por que passa a sua sociedade e como as pessoas no seu cotidiano convivem com estas mudanças e com a violência urbana desmedida.
Em quatro histórias, em quatro diferentes províncias chinesas, este painel é construído, sempre com o olhar crítico e corrosivo do diretor. O filme vai direto ao cerne da questão, sem tréguas: um motoqueiro é cercado por três rapazes na estrada, que tentam assaltá-lo; ele ao invés de entregar a carteira com o dinheiro, tira uma arma, mata os três, a sangue frio, e continua a viagem. Logo à frente é obrigado a diminuir a velocidade da moto em função de um acidente com um caminhão de tomates; ali quem assume a narrativa é um mineiro, que revoltado com a corrupção do dirigente de sua província, resolve fazer justiça com as próprias mãos. Depois de ser humilhado pelo corrupto, o mineiro pega uma arma e fuzila não só o seu algoz como quem ele encontra pela frente.
A sequência é novamente com o motoqueiro: ele volta para a sua província justamente no dia do aniversário de sua mãe, que coincide com a entrada do ano novo. O barulho dos fogos de artifício é misturado com os tiros que ele desfere num assalto que realiza.
A terceira história é sobre uma recepcionista de uma sauna: depois de ter se desentendido com o amante, que a deixa só e parte para retomar sua vida com a esposa, ela vai trabalhar e lá é assediada por um cliente; como se recusa a fazer programa, o homem começa a bater violentamente nela, que reage e o mata com uma faca. Desesperada, ela (toda ensanguentada) deixa a sauna e no caminho liga para a polícia e confessa o crime.
A última trama é sobre um rapaz, que sem querer provoca um acidente na fábrica onde trabalha; punido, ele resolve deixar a cidadezinha e procurar emprego na cidade grande. Consegue colocação, mas muda sempre de emprego à procura de uma vida melhor. Num belo dia, é reconhecido e o amigo que sofreu o acidente de trabalho o intimida, mas desiste da agressão. Em crise de consciência, o rapaz se suicida.
Confesso que saí da sala de exibição muito perturbado e com respingos de sangue pelo corpo e pela alma…
A crítica de Zhangke Jia à China é contundente: o país vive sob o regime comunista (austero e fechado), mas está completamente inserido no capitalismo. As contradições se refletem no cotidiano das pessoas, que convivem com um país de tecnologia de ponta ao mesmo tempo em que os costumes e princípios milenares ainda estão vivos nas longínquas províncias do país. As mudanças sociais entram em conflito com o modo de vida tradicional do povo chinês e a violência fica mais escancarada em função deste descompasso.
Indicado à Palma de Ouro em Cannes 2013, Um Toque de Pecado ganhou o prêmio de melhor roteiro no festival francês. Não perca, mas vá preparado, pois o filme mexe com nossas entranhas!
Fotos: divulgação
2 Comentários
Wander Sanches
dezembro 17, 2013 @ 17:44
Um dos aspectos mais caros da cultura oriental é a questão da honra. Nesse filme perturbador, a reação à humilhação não demora. Vem rápida, clara, direta, sem intermediários, cruel e sanguinária.
Maurício Mellone
dezembro 18, 2013 @ 09:08
Wander:
Concordo com vc, o diretor não dá trégua ao espectador.
Obrigado pelo papo ao final da sessão e, principalmente,
por esta sua valiosa participação.
abr