De Maurício Mellone em fevereiro 5, 2024
Aclamado em Cannes/2023 com a Palma de Ouro e com cinco indicações ao Oscar2024 — incluindo melhor filme e atriz —, Anatomia de uma queda, da diretora francesa Justine Triet, parte da morte de um homem para discutir as mais variadas versões sobre um fato, esmiuçando a verdade.
O casal de escritores Sandra e Samuel, vividos por Sandra Hüller e Samuel Theis, vive num isolado chalé nos alpes franceses apenas com o filho Daniel (Milo Machado-Graner), que tem problemas de visão, e seu cão guia. Numa tarde, após Sandra interromper uma entrevista que concedia a uma aluna por causa da intensidade do som que o marido ouvia, ela revolve se recolher. Daniel e o cão fazem um passeio e ao voltar o garoto é surpreendido com o corpo do pai caído na neve. Começam as investigações e Sandra é indiciada, já que na hora do acidente só o casal estava no chalé. Suspense e tensão até o final da trama, com as diversas versões sobre o fato sendo levantadas durante o julgamento.
O clima de tensão e suspense é estabelecido logo após a morte de Samuel. Vincent, o advogado interpretado por Swann Arlaud, chega e faz questão de ter acesso a todas as dependências do chalé, inclusive ao sótão, de onde ocorreu a queda do escritor. A perícia concluiu que a vítima teve uma morte suspeita, não tendo condições de provar se foi suicídio ou assassinato. Como a esposa era a única presente ao local, as suspeitas recaíram sobre ela e o filho do casal é obrigado a intermediar este o conflito.
A trama a partir de então se desenrola no tribunal, com as versões da defesa e do promotor (Antoine Reinartz) tomando toda a cena. A diretora, que assina o roteiro ao lado de Arthur Hararri, tem o rigor de colocar a câmera mostrando todas as facetas, ou versões, sobre o que está sendo discutido. O promotor usa a estratégia de mostrar a acusada como uma pessoa violenta e que havia traído o marido. A defesa, por outro lado, procura acentuar o lado depressivo e ciumento da vítima.
O que mais me chamou a atenção nas discussões do tribunal é a exibição para o júri de um vídeo que mostra um momento na vida daquele casal. Durante uma refeição, Samuel e Sandra iniciam uma DR (discussão de relação) e ambos expõem seus sentimentos mais íntimos. Fica evidente a rivalidade entre os dois escritores: ela só coleciona sucesso com suas obras, enquanto o marido, frustrado ou ofuscado pela esposa, vive em crise criativa e é obrigado a dar aulas para sobreviver. As imagens da discussão do casal são interrompidas e o espectador tem acesso somente ao áudio da briga entre eles, em que se ouve copos quebrados e prováveis agressões físicas.
Outro momento crucial para o desenrolar da trama é o segundo depoimento de Daniel: na véspera, o menino pede para ficar só e a mãe passa a noite num hotel. O depoimento é a peça fundamental para o desfecho do caso. No entanto, Justine Triet, mais do que mostrar se Sandra é condenada ou absolvida, provoca o espectador a refletir sobre as mais diferentes possibilidades e versões sobre um mesmo fato. Há uma única verdade? O que é verdade e o que é mentira?
Anatomia de uma queda no fundo gira em torno do que entendemos sobre verdade. Num mundo de hoje em que as notícias são colocadas no mesmo patamar que as versões fabricadas (as chamadas fake news), a reflexão proposta pelo filme é fundamental. Além do roteiro e da sensível direção, o destaque maior do filme fica para a intensa atuação de Sandra Hüller.
Fotos: divulgação
8 Comentários
fabio
março 20, 2024 @ 06:49
Para mim o filme foi super estimado. Um típico filme de tribunal com embate interessante entre promotoria e defesa. Nada de mais.
Maurício Mellone
março 20, 2024 @ 09:58
Fabio,
sim, um filme de tribunal, com uma narrativa
criativa.
O roteiro original foi premiado no último Oscar.
Um abraço e volte mais vezes, obrigado pela visita
Marcia Abumansur
fevereiro 14, 2024 @ 15:40
Olá, Mauricio!
Muito boa a resenha, aborda o que é essencial no filme ( assisti ontem!).
Abraços
Marcia
Maurício Mellone
fevereiro 15, 2024 @ 15:34
Marcia, querida:
Que ótimo receber seu retorno; vc sabe q a escrita
é um ato solitário e ter o ‘feed back’ só me incentiva
a continuar este trabalho.
Muito obrigado pela visita, volte sempre.
Beijos, saudades
Dinah Sales de Oliveira
fevereiro 5, 2024 @ 19:42
Maurício,
Demais o filme, né? A atuação dela é impressionante e a agonia do julgamento eleva a tensão até o fim.
Só achei meio ‘forçada’ a interpretação que o garoto faz da conversa com o pai no carro, um tanto madura demais pra um menino de 11 anos.
Claro que ele tinha ouvido todas aquelas acusações, brigas etc. no tribunal, mas isso me incomodou um pouco.
De resto, filme impecável, merece uma Palma de Ouro.
Maurício Mellone
fevereiro 5, 2024 @ 19:50
Dinah:
Tb gostei muito da atuação da atriz (está indicada ao Oscar).
Li uma crítica dizendo q a cena do garoto (q vc não gostou)
é uma forma do roteiro enfatizar a importância da fala,
sobrepondo à imagem (na cena o garoto é dublado).
Mas a discussão das versões é bem interessante e a tensão
é mesmo do início ao fim!
Bjs, obrigado pela visita!
Adriana
fevereiro 5, 2024 @ 19:34
Enredo muito interessante, Ma. Amei a resenha. Como já comentei com você, entrou para a minha lista de filmes que estão concorrendo ao Oscar e pretendo assistir.
Maurício Mellone
fevereiro 5, 2024 @ 19:51
Adriana:
Vá assistir, acho q vc pode gostar muito.
Beijos.
Obrigado pela visita!