De Maurício Mellone em fevereiro 1, 2024
Depois do sucesso de A cabeça do santo, a escritora nascida em Fortaleza/CE em 1975 retoma sua ficção recheada de magia e realismo fantástico com o romance Oração para desaparecer, editado pela Companhia das Letras.
Desta vez a trama é centrada na saga de uma mulher que, sem memória e sem identidade, passa a lutar para reconstruir sua história de vida e recuperar sua ancestralidade. Na orelha do livro a jornalista e escritora espanhola Maria del Pilar del Rio afirma que Socorro Acioli “contribui para ampliar uma literatura com memória, em que a imaginação ativa é capaz de construir diversas realidades”. Já o escritor de Moçambique Mia Couto é categórico ao definir a obra:
“Oração para desaparecer é uma belíssima história de amor, que une Portugal e Brasil, resgatando a grande arte da pura fabulação”.
Jornalista e com doutorado em estudos de literatura pela Universidade Federal Fluminense (UFF), a cearense Socorro Acioli hoje é professora e coordenadora da especialização em escrita e criação da Universidade de Fortaleza (Unifor). Tendo participado de um curso ministrado por Gabriel García Marquez em 2006, em Cuba, Socorro é reconhecida por sua narrativa em forma de fábula, com fortes elementos do realismo fantástico. Neste novo romance de 208 páginas, dividido em três partes, a magia e as lendas indígenas e portuguesas estão presentes desde as primeiras linhas e o leitor é convidado a embarcar nesta aventura.
Na primeira parte (Você trouxe todas as palavras), a personagem central acorda com “os olhos grudados de lama” e é resgatada literalmente de uma cova por um casal (Florice e Fernando), na cidade de Almofala, em Portugal. Sem se lembrar do passado, debilitada e com cortes pelo corpo, a moça é acudida pelo casal. Aos poucos eles contam-lhe que ela é uma Ressurrecta, que ressuscitou de uma outra vida. Depois de meses, Cida, como passa a ser chamada, se esforça para recuperar a memória e é orientada a escrever tudo o que se lembrar dos sonhos. Surge Jorge, parente do casal, que passa acompanhar a moça em seu processo de recuperação da memória. Paixão à primeira vista entre eles, como descreve a moça:
“A voz de Jorge estava espalhada por toda a extensão da minha cabeça vazia.
Paixão e feitiçaria são obras do mesmo fogo.”
Jorge e Cida, seguindo os pequenos traços de lembrança dela, acreditam que o passado da moça está ligado ao Brasil, mais precisamente em Almofala, cidade do Ceará.
A segunda parte do livro (Os ossos dela não estão lá) começa com o desabafo de Miguel, um homem idoso que, mesmo incrédulo, espera pela volta de sua amada Joana. Ela, após uma luta com o padre, consegue salvar a imagem de Nossa Senhora da Conceição — a Oxum para a religião africana e Labareda para os indígenas Tremembés — e desaparece, “afundou na areia e nunca mais foi vista”.
Jorge, sabendo da lenda da brasileira que desapareceu, começa a entrevistar o biólogo Miguel, que pesquisava cavalos marinhos na região de Almofala. É desta forma que a autora passa a relatar, por meio da fala de Miguel, a história de amor deste casal (Joana e Miguel), vivida há 49 anos. E é assim que o leitor descobre que a ressurrecta Cida é Joana em sua juventude e o mistério começa a ser desvendado.
A terceira parte (A língua de fogo avisou) é dedicada a Joana/Cida, que já no Brasil começa a ter lapsos de memória. Enquanto Jorge continua sua pesquisa com Miguel, Joana é encaminhada pelos indígenas Tremembés até a aldeia, para se encontrar com a pajé Malba. É deste encontro que todo o passado de Joana vem à tona e ela percebe que a cronologia do tempo foi bem diferente: enquanto ela viveu oito anos na Europa e está com 29 anos, para Miguel se passaram 49 anos e hoje ele é um ancião.
O encontro de Joana e a pajé, os rituais e os banhos de ervas contribuem para que a moça recupere sua história. Ao lado de Jorge, eles vão até a igreja onde o embate aconteceu e novamente Joana é hostilizada. Mas eles fogem e Joana finalmente reencontra Miguel. As verdades aparecem, eles se perdoam e ela decide ficar com a pajé, que está no fim da vida.
O desfecho da trama é poético, recheado dos rituais indígenas sobre morte e vida. O amor prevalece e a carta de Joana para Jorge é reveladora, profunda. Finalizo a resenha com as derradeiras palavras da personagem, que reforçam a opinião de Socorro Acioli sobre o amor, emitida na dedicatória do livro.
“O amor, o fogo mais antigo. A única força que dissolve e recria o tempo.”
Ficha técnica:
Título: Oração para desaparecer
Autor: Socorro Acioli
Editora: Companhia das Letras, 208 pgs
Preço: R$ 69,90
Fotos: divculgação
2 Comentários
Adriana
fevereiro 1, 2024 @ 12:48
Que resenha incrível de um livro tão maravilhoso!! Ficou com gosto de quero mais. Perfeita, querido Maurício!!
Maurício Mellone
fevereiro 1, 2024 @ 13:03
ADRIANA, querida:
Muito obrigado pelo retorno, já tínhamos comentado sobre a incrível
história criada pela Socorro Acioli. Fico feliz que tenha gostado
do que escrevi sobre a obra.
Beijos e volte sempre!