De Maurício Mellone em abril 11, 2018
Grande vencedor do 50º Festival de Brasília, o filme dos diretores e roteiristas Affonso Uchoa e João Dumans, Arábia, é um retrato terno e sensível sobre o cotidiano de Cristiano, vivido por Aristides de Sousa, um trabalhador incansável, que pula de emprego em emprego percorrendo o interior de Minas Gerais, até chegar a uma siderurgia em Ouro Preto.
Mais do que o percurso pelas cidades mineiras e pelos mais variados tipos de trabalho desenvolvido pelo personagem, a trama (um road movie à brasileira) é um passeio ao mundo interior daquele homem simples, que ao escrever suas andanças numa espécie de diário faz uma análise profunda sobre sua existência e sobre o porquê da vida.
E o formato da narrativa do filme também chama a atenção. A primeira cena é com o garoto André, interpretado por Murilo Caliari, andando de bicicleta pelas montanhas de Ouro Preto até chegar a sua casa, na vila operária da siderurgia, — ele vive com o irmão menor, seus pais estão viajando a trabalho e ele recebe ajuda de Márcia, vivida por Glaucia Vandeveld, sua tia e enfermeira, que atende os operários da vila. Com o acidente de Cristiano, André é encarregado de ir até a casa dele e é lá que descobre o caderno em que Cristiano faz suas anotações pessoais. A partir daí é que entra em ação o protagonista da trama: sempre em off, Cristiano vai relatando suas experiências de vida, desde o período em que esteve preso (envolveu-se num roubo de carro) e, com sua liberdade, resolve ganhar a vida pelas estradas de Minas Gerais. A pé ou de carona, ele percorre diversas cidades e passa pelas mais variadas funções: desde apanhador de mexericas, trabalhador da construção civil, ajudante de pedreiro, operário de fábrica têxtil, carregador de caminhão e por último seu posto na siderurgia.
Em cada local por onde passa, Cristiano conhece novas pessoas, interage com elas, convive por um tempo com a dura realidade que cada função exige dos trabalhadores e depois continua sua viagem. A única diferença nesta trajetória foi na fábrica de tecidos, onde Cristiano se envolve com a encarregada Ana (Renata Cabral) e eles vivem um intenso romance. Mesmo a contra gosto, ele abandona a namorada e pega a estrada novamente, até chegar a Ouro Preto e recomeçar do zero na dura função de metalúrgico.
Além de saber das aventuras de Cristiano, o espectador, neste momento da trama, já conhece um pouco mais da personalidade dele, de seus questionamentos existenciais e, principalmente, de sua angústia interior. Tudo por meio de uma escrita emocionada, que revela o modo simples de um homem do povo tentar entender o significado da vida. Com um enredo sensível, Arábia não só faz um perfil de um trabalhador brasileiro como contribui para a reflexão sobre o papel do Homem hoje no planeta. Destaque para a brilhante interpretação de Aristides de Sousa, a bela fotografia de Leonardo Feliciano e a trilha sonora que pontua as andanças de Cristiano. Uma canção que se encaixa perfeitamente ao enredo é Três apitos, de Noel Rosa, interpretada por Maria Bethânia, que pode ser conferida aqui. Vale ainda o lembrete para produções nacionais: vá logo assistir para que o filme ganhe mais tempo em cartaz.
Fotos: divulgação
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