De Maurício Mellone em outubro 8, 2019
Há 33 anos, exatamente no dia 26 de abril de 1986, à 1h23min58s, na cidade de Pripyat, na Ucrânia, ocorreu a explosão do reator da Central Elétrica Atômica de Chernobyl, considerado o maior desastre nuclear da história. A cidade foi esvaziada e a população local nunca mais pôde voltar. E por incrível que possa parecer, passado todo este tempo, a humanidade ainda desconhece a história real de tamanha tragédia e, principalmente, as graves consequências da irradiação, que os governantes omitiram e tentaram abafar.
Nascida no mesmo ano do acidente, a dramaturga francesa Florence Valéro, de forma poética, procura desvendar em Chernobyl, peça em cartaz no SESC Consolação, Espaço Beta, os mistérios que envolvem este desastre por meio da trajetória de uma família sobrevivente. Com direção de Bruno Perillo, o espetáculo é encenado pelas atrizes Carolina Haddad, que assina a tradução, Joana Dória, Manuela Afonso e Nicole Cordery.
Com poucos elementos cênicos, projeções de vídeo e uma incrível dinâmica corporal —as atrizes se alternam e vivem todos os personagens —, a montagem consegue transmitir o horror vivido na cidade de Pripyat, em que a população foi obrigada a deixar tudo para trás em menos de 48 horas; as crianças puderam levar somente um brinquedo. A autora usou deste elemento para criar Antonia, a boneca da garotinha da família como narradora da trama. É desta forma, pela boneca de olhos verdes, que o espectador sabe do drama vivido pelo casal Elena e Igor e seus filhos Michael e Hanna, que após a explosão tiveram que abandonar tudo, num exílio forçado, e lidar com traumas, medo, doenças e morte.
“A autora envereda sua narrativa para o núcleo prosaico de uma família, extraindo uma poderosa e crua beleza poética de um universo mergulhado no horror. A consciência da boneca surge como a nossa (ou é a nossa, humana, que surge como a de uma boneca?), impotente e incapaz de agir em face àquele destino. Os gritos mudos da boneca, seus desejos irrealizáveis, pensamentos suprimidos são de todos nós. Ninguém escapa ileso à radioatividade, a força invisível que, fora de controle, é arma invencível”, argumenta o diretor Bruno Perillo.
Ao lado do texto da dramaturga, a direção e as atrizes enxertaram à narrativa trechos do livro Vozes de Chrnobyl, de Svetlana Aleksiévitch, deixando o espetáculo ainda mais denso e corrosivo. Impossível não comparar o episódio da Ucrânia com outros tão dramáticos vividos pela humanidade, como o acidente do césio 137 ocorrido em Goiânia em 1987, o desastre na usina nuclear de Fukushima, no Japão em 2011 depois de um tsunami, e o horror do rompimento das barragens de mineradoras em Minas Gerais, primeiro em Mariana em 2015 e depois em Brumadinho, em janeiro deste ano. O espetáculo ajuda a refletir sobre estas tragédias, que na maioria das vezes são provocados pela sede do Homem pelo poder, além da ganância e atitudes irresponsáveis que põem em risco a vida de populações inteiras.
Além da dramaturgia pungente e a montagem criativa, destaque para a cenografia e figurinos assinados por Chris Aizner, a iluminação e vídeos de Grissel Pinguillem e, principalmente, para interpretação visceral das atrizes, que envolvem a plateia naquela trama tão triste e dolorida. Confira: apresentações somente segundas e terças, só até o dia 22/10.
Roteiro: Chernobyl. Texto: Florence Valéro (com excertos do livro Vozes de Chernobyl, de Svetlana Aleksiévitch). Tradução: Carolina Haddad. Direção: Bruno Perillo. Elenco: Carolina Haddad, Joana Dória, Manuela Afonso e Nicole Cordery. Iluminação e vídeo: Grissel Pinguillem. Trilha sonora: Pedro Semeghini. Cenário e figurino: Chris Aizner. Preparação corporal: Marina Caron. Fotografia: Guy Pichard e Felipe Cohen. Visagismo: Cristina Cavalcanti. Produção Anayan Moretto.
Serviço:
SESC Consolação, Espaço Beta/3º andar (lugares), Rua Dr. Vila Nova, 245, tel. 3234-3000. Horários: segunda e terça às 20h. Ingressos: de R$ 6 a R$ 20. Duração: 95 min. Classificação: 14 anos. Temporada: até 22 de outubro.
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