De Maurício Mellone em julho 28, 2022
Víctor Jara foi brutalmente assassinado pelos militares da ditadura de Augusto Pinochet, dias depois do bombardeio ao Palácio de La Moneda em que o presidente Salvador Allende também foi morto. Momentos horríveis porque passou o Chile (e diversos países da América Latina nas décadas de 1960 e 1970, incluindo o Brasil) são o pano de fundo do livro Víctor: uma canção inacabada, de Joan Jara sobre a trajetória de seu marido, este artista múltiplo, que atuou como ator, diretor teatral, poeta, cantor e compositor.
Lançado originalmente em1983, o livro foi relançado pela editora Expressão Popular— edição revisada e atualizada, com artigo de Jorge Montealegre, da Fundação Víctor Jara — e resgata a trajetória de Víctor Jara, desde sua infância como camponês, seu esforço para se formar, sua pesquisa do cancioneiro popular do Chile e da América Latina, sua militância política, sua carreira artística até se tornar um expoente da Nova Canção Chilena e membro do governo democrático de Salvador Allende.
O livro começa pelo fim…. Ou melhor, Joan Jara depois de enterrar o marido e conseguir deixar o Chile com a ajuda da embaixada britânica (ela nasceu na Inglaterra, mas chegou ao Chile aos 19 anos, onde construiu sua vida) ainda no avião, sem saber os rumos que iria tomar, reflete e promete:
“Tinha de aprender a falar, para contar ao mundo exterior, em nome dos que não podiam fazê-lo, sobre os sofrimentos do povo. Faria tudo o que estivesse ao meu alcance para que Víctor, através de sua música e suas gravações, continuasse trabalhando pela causa que abraçara como sendo sua própria. Seus assassinos haviam subestimado o poder da canção”.
Esta promessa é a mola propulsora para que Joan escreva o livro sobre Víctor. Inicialmente ela relata a sua infância na Europa, seus estudos e o início da carreira profissional como bailarina, além do encontro com o bailarino e coreógrafo chileno Patricio Bunster, com que veio a se casar e ter sua primeira filha, Manuela. Sua vinda para o Chile foi em 1954, onde construiu sua carreira como bailarina e professora de dança.
Paralelamente ao relato de suas experiências no novo país, Joan começa a traçar o perfil de Víctor; inicialmente conta a relação dele com a família ainda no campo e a vinda para a capital depois da separação dos pais. Ele sempre gostou de estudar e mesmo depois da morte precoce da mãe, Víctor foi para o seminário para continuar os estudos.
A autora, de forma direta e com uma linguagem simples e envolvente, relata todos os passos de Víctor, desde seus esforços para estudar conciliando com o trabalho, sua admiração pelo folclore e pelo cancioneiro popular, seu ingresso na universidade e os primeiros trabalhos como ator. O encontro de Joan e Víctor é muito bem retratado no livro, com riqueza de detalhes. Ela havia terminado seu casamento e a aproximação deles se deu principalmente pela arte: a comunhão foi imediata.
A partir de então, Joan descreve minuciosamente toda a trajetória do marido, desde sua vida acadêmica e a carreira musical, sua pesquisa do cancioneiro popular e seu envolvimento com as comunidades das diversas regiões do país, até seu engajamento político e sua participação preponderante na criação da Nova Canção Chilena. A vida de Víctor como militante do Partido Comunista e sua contribuição para a campanha vitoriosa da Unidade Popular liderada por Salvador Allende ganha um espaço nobre na obra.
Por mais que o leitor conheça a história dos chamados anos de chumbo vividos por muitos dos países latino-americanos durante as décadas de 1960 e 1970, é emocionante ouvir o relato de quem foi o sujeito da ação e esteve no centro das decisões.
Hoje no Brasil vivemos num governo de extrema direita, em que o governante enaltece os torturadores e tenta ferir os princípios democráticos. Daí a importância desta edição revisitada sobre a trajetória de Víctor Jara, um artista que morreu lutando pela democracia. No prefácio do livro os editores ressaltam a importância da obra:
“Que a volta em circulação deste livro no Brasil permita novas conexões entre as gerações mais novas e as que lhes antecederam no sentido de fortalecer a construção destes lugares aonde tomamos nossos destinos em nossas próprias mãos”.
Encerro a resenha dizendo que o livro traz no final uma série de fotografias que fazem parte do acervo da Fundação Víctor Jara. E nunca é demais repetir o que a carta aos brasileiros, organizada pela Faculdade de Direito da USP (a ser lida no próximo dia 11 de agosto), enfatiza ao final:
“Estado Democrático de Direito Sempre!”
Ficha técnica:
Título: Víctor: uma canção inacabada
Autor: Joan Jara
Editora: Expressão Popular
Página: 352
Preço: R$ 64
Fotos: divulgação
2 Comentários
Adriana Bifulco
julho 29, 2022 @ 20:10
Resenha maravilhosa, querido. A trama tem tudo a ver com o momento que estamos vivendo agora, quando é muito importante lutar pela democracia. Leitura importante!!
Maurício Mellone
agosto 1, 2022 @ 10:51
Adriana, querida:
que bom q vc curtiu a resenha!
VC me acompanhou durante a leitura
e agora pode ler minha opinião sobre
a obra que relata a vida e obra do Víctor Jara.
Confesso q não o conhecia, mas fiquei muito
fã do papel q desempenhou para a cultura do Chile e
da América Latina.
Beijos