De Maurício Mellone em agosto 12, 2013
Duas mulheres, mãe e filha, travam uma discussão que extrapola a relação afetiva entre elas e o mero conflito de gerações: os conceitos e princípios fundamentais de vida são postos em cheque exatamente quando a filha, interpretada por Laura Castro, comunica que vai ter um bebê com sua companheira. A mãe, vivida pela atriz portuguesa Maria de Medeiros, sempre muito liberal e desprendida — foi guerrilheira e viveu em diversos países — entra em crise e ambas remexem e reviram seus sentimentos mais íntimos. Com direção de João das Neves, Aos Nossos Filhos acaba de reestrear no TUCA para uma curta temporada, em cartaz só até 1º de setembro.
A música tema não poderia ser outra: com Iuri Salvagnini ao piano, Maria de Medeiros inicia a peça cantando em francês Aos Nossos Filhos, a bela canção de Ivan Lins e Vitor Martins que dá nome ao espetáculo. Logo em seguida, ela, no papel de Vera, uma psiquiatra que lutou contra a ditadura militar, foi exilada e morou em vários países, recepciona a filha, que aos poucos revela a verdadeira razão de sua visita. Mais do que um encontro cordial entre mãe e filha, Tania vem comunicar que ela e sua companheira irão ter um bebê.
A reação inicial de Vera foi de felicidade e alegria, mas a partir do momento que fica sabendo que elas optaram por inseminação artificial e que o feto foi introduzido no útero da namorada de Tania, ela entra em pânico e parte para o ataque. Não concorda com as decisões da filha — preferia que Tânia optasse pelo método tradicional — e na discussão, mágoas antigas, ressentimentos e, principalmente, preconceitos vêm à tona.
Num momento de ebulição da sociedade brasileira, em que de um lado temos avanço nos costumes, com conquistas dos direitos da comunidade LGBT, e de outro lado há o retrocesso, com segmentos conservadores tentando desvirtuar e propor projetos insanos, como o de cura da homossexualidade, Aos Nossos Filhos vem contribuir para esta discussão. A personagem da mãe, por mais que tenha lutado junto aos movimentos de esquerda e ser uma intelectual de prestígio, quando é a sua filha que levanta e se rebela contra atitudes comportamentais conservadores, Vera se desestrutura. Já a filha, por mais que tenha crescido num ambiente libertário e ter convivido com os vários casamentos da mãe, quer na verdade um casamento estável, com filhos de uma única relação afetiva — ela namora há 15 anos e só agora resolveram engravidar.
O embate de ideias envolve o espectador graças à interpretação visceral das duas atrizes. Destaque ainda para o cenário de Rodrigo Cohen — escadas estilizadas que propicia que mãe e filha fiquem em posições antagônicas — e a iluminação sensível de Paulo César Medeiros. Como aperitivo para aguçar a vontade de assistir a peça, fique com a música tema interpretada pela saudosa Elis Regina.
http://www.youtube.com/watch?v=jWWOMrrtNfw&hd=1
Fotos: Irene Nóbrega
2 Comentários
Jefferson Calli
agosto 12, 2013 @ 19:58
Maaurício queridão valeu a dica!
beijo grande.
Maurício Mellone
agosto 13, 2013 @ 13:12
Jeff:
Se vc puder assistir, tenho certeza q irá curtir!
A discussão de uma mãe até então de esquerda que sabe que a filha
vai ter um filho com sua namorada a deixa perturbada.
Inversão de papéis (liberal passa a ser conservadora) e
os preconceitos sendo questionados!
Estou com saudades!
Bjs