De Maurício Mellone em maio 28, 2019
O filme do Ceará, Inferninho, dirigido por Guto Parente e Pedro Diógenes, chega às salas comerciais depois de percorrer vários festivais pelo mundo (Holanda, Inglaterra, Alemanha, Uruguai e Argentina) e vencer alguns prêmios, como o de melhor filme em Portugal/ Queer Lisboa, em Recife/PE e no Festival do Rio/ Mostra Novos Rumos.
A história se passa totalmente dentro do bar que dá título ao filme. A travesti Deusimar, interpretada por Yuri Yamamoto, é a dona do estabelecimento que serve como refúgio: lá todos os clientes e funcionários podem extravasar, viverem suas fantasias e serem como são, sem restrições. A chegada do marinheiro Jarbas, vivido por Démick Lopes, altera tanto a vida de Deusimar que inicia um romance com ele, como as dos demais frequentadores do bar.
O filme foi realizado em parceria entre a produtora de audiovisual Alumbramento e o Grupo Bagaceira de Teatro, daí a mescla entre cinema e teatro — o bar pode ser visto como um grande palco e os frequentadores e funcionários como personagens de uma fábula. A trama tem início com Luzianne (Samya De Lavor) no palco apresentando uma canção romântica sobre um caso amoroso mal resolvido; na plateia, pessoas absortas em suas fantasias (o super-homem, o Mickey Mouse, homem estátua, o garçom coelho, a rainha estilizada etc). A câmera faz um passeio por todos, fixa-se em Deusimar e, com a entrada do marinheiro, todos param para observar sua chegada. Ele vai ao balcão, a dona do bar lhe serve uma dose e a cena seguinte é com os dois sentados trocando confidências. A atração entre eles é imediata e arrebatadora. O atrito que surge entre o casal é com a visita de um corretor, que faz uma proposta de compra do bar: Deusimar se empolga com o valor oferecido (sonha em viajar pelo mundo), mas Jarbas rechaça a ideia, expulsando o intruso.
No entanto, o que realmente interfere no universo do Inferninho é a chegada de dois outros marujos, que vêm para cobrar uma dívida antiga do companheiro de arma. Bêbados, eles provocam uma briga e Jarbas prefere sumir a prejudicar a vida da amante. Desiludida, Deusimar retoma a negociação da venda do bar, despede os funcionários, mas é surpreendida pelo garçom, que lhe dá uma injeção de ânimo. Final surpreendente!
Em entrevista no lançamento do filme, os diretores afirmam que mesmo tendo iniciado as filmagens em 2016, a produção reflete muito da realidade atual. Para eles, o mundo fora do bar (que nunca é mostrado) parece ser opressor, onde aquelas pessoas não podem viver suas fantasias. “Então, acredito que aquele local do filme está conectado com o que vivemos hoje, para além do melodrama principal vivido ali dentro”, diz Pedro Diógenes.
O roteiro, assinado pelos diretores e por Rafael Martins, cativa o espectador, com destaque para a solução encontrada das cenas finais de Deusimar. A interpretação (contida e densa) de Yuir Yamamoto comove e merece ser ressaltada. Inferninho me surpreendeu pela qualidade e talento de toda a equipe. Não perca!
Fotos: divulgação
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