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O Importado: solo de Odilon Esteves sobre conto de André Sant’Anna

De em maio 27, 2019

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Odilon Esteves atua e divide a direção com Fernando Badharó

 

Num momento em que ideias conservadoras — com viés racista, autoritário e machista — ganham força não só no Brasil como mundo afora, nada melhor do que assistir a um espetáculo provocador como O Importado, que acaba de estrear no Sesc Pinheiros.

Inspirado no conto O Importado Vermelho de Noé, do escritor André Sant’Anna, o monólogo do ator mineiro Odilon Esteves coloca em cena um indivíduo que expressa o que há de mais execrável no ser humano. Branco, bem sucedido financeiramente, este homem está deixando o país rumo a Nova York e, preso na Marginal do rio Tietê em razão de um temporal, deixa fluir, sem qualquer filtro, seu pensamento racista, preconceituoso, prepotente e machista. A montagem propõe um questionamento sobre valores de uma sociedade consumista e de privilégios.

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Personagem do conto quer deixar o país para viver em Nova York

 

 

 

Com direção de Fernando Badharó e do próprio ator, o espetáculo começa com Odilon vindo da coxia e lendo um texto em que relata o processo de criação e o que o levou a montar o conto do escritor mineiro. Mais do que encarnar aquele personagem, a intenção é questionar o que entendemos como loucura e sanidade:

 

 

“Comecei esse processo querendo pesquisar a palavra loucura, nas suas várias acepções. O que poderia ser o oposto a loucura: a normalidade, a lucidez? Foi aí que me lembrei do conto, cujo personagem é considerado a norma, ele é obcecado por dinheiro, por poder. E me pergunto: aderir a um projeto cujo único fim é acumular bens, passando por cima de tudo para atingir esse objetivo, é possível que isso seja considerado sanidade? A peça é um mote para se conversar sobre esse tema. Não dá para fazer vista grossa a tudo o que esse personagem representa”, argumenta Odilon Esteves.

 

 

 

Depois deste preâmbulo, feito na plateia, o ator sobe ao palco, completa o figurino e incorpora Noé. Com apenas uma poltrona, quatro tapumes de acrílico e uma pequena estátua da liberdade (símbolo de Nova York), o ator personifica aquele ser, que a princípio apenas relata seu objetivo imediato, o de abandonar o Brasil. Em seu automóvel, ele está na Marginal indo para o aeroporto, mas uma chuva torrencial começa a impedi-lo de atingir seus objetivos. É nesta hora que Noé deixa fluir seu discurso egocêntrico.

 

 

“Está chovendo dinheiro em Nova York e o meu carro vermelho, importado da Alemanha, está preso entre os carros nacionais, às margens do Rio Tietê, onde a água normal e o excremento dos pretos, por culpa do prefeito, começam a invadir a via onde o meu carro vermelho, importado da Alemanha, não consegue sair velozmente do lugar”.

 

 

Sempre repetindo o mote de sua posição social de superioridade, o personagem não tem limites com seus argumentos e sandices. Se o texto é intencionalmente repetitivo, o ator em cena dá diversas entonações para as falas. Antes do desfecho, Odilon volta a se dirigir ao público, da plateia, onde continua a leitura de sua carta. Desta vez questiona o racismo: será que nós também não temos posturas racistas e preconceituosas? O racismo, destilado sem pudores pelo personagem, não está encoberto nas atitudes do cotidiano de cada um de nós?

 

 

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Odilon mostra versatilidade e domínio cênico

 

A forma como os diretores conceberam o espetáculo propicia com que o espectador não só tenha acesso àquele personagem abjeto como saia do teatro fazendo uma reflexão sobre os conceitos conservadores e excludentes, infelizmente tão em voga hoje em dia (aqui e no mundo). Além da contundente dramaturgia, o grande destaque do espetáculo é para a atuação de Odilon Esteves, que tem a chance de sair e entrar no personagem, mostrando sua versatilidade e domínio cênico. A iluminação e os elementos de cena (poucos e eficazes) contribuem para a condução narrativa. Espetáculo de grande impacto; não perca, a temporada é curta.

  

 

 


Roteiro:
O Importado. Texto: André Sant’Anna. Direção: Fernando Badharó e Odilon Esteves. Elenco: Odilon Esteves. Iluminação: Juliano Coelho. Trilha sonora: Barulhista e Lucas Morais (Lugares do Invisível). Direção de arte e identidade visual: Fernando Badharó. Fotografia: Kika Antunes. Produção: Luciana Veloso
Serviço:
Sesc Pinheiros, Auditório (98 lugares), Rua Paes Leme, 195, tel. 11 3095.9400. Horários: de quinta a sábado às 20h30. Ingressos: R$ 25, R$ 12,50 e R$ 7,50. Bilheteria: de terça a sábado das 10h às 21h; domingo e feriados das 10 às 18h. Duração: 80 min. Classificação: 16 anos. Temporada: até 15 de junho.


2 Comentários

Juarez Guimarães Dias

maio 28, 2019 @ 10:17

Resposta

Olá, Maurício! Ótimo texto, gostaria de ler mais sobre como a peça trouxe reflexões para você. Tenho outras percepções da peça, me parece que as inserções do ator sobre o conto do André caminham em direção a abordar o espectador que já concorda com seu ponto de vista. Tenho mais apreço pelo conto na íntegra, que é muito violento e me parece mais propenso a tentar espelhar na plateia o personagem que está sobre o palco. Grande abraço!

Maurício Mellone

maio 28, 2019 @ 15:59

Resposta

Juarez:
que delícia receber seu comentário aqui.
Vc já tinha me dito sobre sua preferência em ver o conto na íntegra.
Porém, acho q a interferência do ator, trazendo depoimento de pessoas
que sofrem racismo no cotidiano delas, acrescenta e incita o espectador
a refletir sobre a própria postura diante de circunstâncias de preconceito/racismo.
Muito obrigado pela visita e volte sempre. Terei o maior prazer em recebê-lo aqui!
bjs

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