Peça: Neverland, foto 1

Neverland ou as (in)existentes faixas de Gaza : ousadia nas ruas de SP

De em abril 22, 2016

Peça: Neverland, foto 1

Na performance, Daniel Ortega vive a noiva feliz que conduz o público pela Rua Augusta até a Avenida Paulista

 

Uma proposta dramatúrgica inusitada e que provoca estranhamento nas pessoas: em plena rua Augusta, esquina com a Peixoto Gomide, a Cia Artehúmus de Teatro, dirigida por Evill Rebouças, dá início a performance teatral Neverland ou as (in)existentes faixas de Gaza, que com algumas paradas chega até a ciclovia da Avenida Paulista.
Devidamente vestidos com uma bata de plástico bolha, os espectadores acompanham a noiva, interpretada por Daniel Ortega, que conduz a todos para Neverland em busca da felicidade. Com a intenção de discutir a segregação e as faixas de Gaza (reais ou imaginárias) de cada um de nós, a noiva em sua performance encontra durante o trajeto personagens que instigam a curiosidade, pois estão presos às suas realidades particulares.

 

“Nossa intenção é fazer com que o espectador passe pela experiência de se sentir separado da cidade ao se unir a esta performance”, explica Evill Rebouças.

 

Peça: Neverland, foto 2

Santiago Sabella e Daniel numa das cenas

Com poucas palavras, a encenação obriga o espectador (tanto os inscritos como o público da rua que se interessa pela performance) a tentar decifrar o universo daqueles personagens vividos pelos atores/performers, desde a noiva eternamente feliz, a mulher que não se reconhece, o higienizador que deseja apagar as figuras à margem, a mulher manga que distribui a fruta aos homens acorrentados, que a devoram, o enfermo que desfila com tubos de soro pela rua e a mulher tempo que espera por alguém para dividir o chope. A noiva conduz a todos e para em alguns pontos, onde estão os demais personagens. Num determinado momento, os espectadores são convidados a entrar num bar e a se sentar numa fileira de mesas, metade do grupo de um lado e a outra metade enfrente; aí todos compartilham uma xícara de chá e leem um texto sobre segregação social.

O que sobressai da encenação é o estranhamento provocado pelas situações vividas pela noiva: de seu mundo feliz, ela se depara com a feiura e a dura realidade do mundo daqueles personagens, todos presos a seu universo particular. O uso de talco, terra, manteiga, soro, água, glacê e chope contribui ainda mais para evidenciar outra segregação: de um lado o limpo, do outro o sujo, o lambuzado; de um lado o seco, de outro o molhado, embebido de álcool, suor e gosma.

“Que tipo de pessoa é você?” Esta frase provocativa inscrita no envelope com um grão de arroz, que o espectador recebe no início, dá o tom da encenação. Num mundo conturbado em que vivemos hoje, discutir o porquê da segregação é de extrema necessidade. Será que não sabemos conviver com o diferente?
Participar da performance é uma experiência única: me senti fazendo parte do elenco, já que os espectadores, aos olhos dos transeuntes e frequentadores de bares, passam a ser personagens também. Não é esta outra separação?

Peça: Neverland, foto 3

Evill Rebouças assina a dramaturgia e direção

Pela ousadia cênica de usar o espaço urbano como experimentação artística, Neverland ou as (in)existentes faixas de Gaza me lembrou a encenação do Grupo Vertigem, Bom Retiro 958 metros, em que os personagens deste bairro comercial eram retratados. No entanto, exatamente pela proposta de encenação na rua, senti uma dispersão entre os espectadores (os cruzamentos das avenidas e a tensão com o trânsito provocam a desatenção). Mas o grande destaque da performance é para a atuação visceral de Daniel Ortega: a entrega do ator emociona, contagia. Os amantes de teatro não podem perder este novo trabalho da Cia Artehúmus: os ingressos são gratuitos, mas o interessado deve se inscrever pelo e-mail artehumus@gmail.com.

 

 

 


Fotos: Ana Luiza Secco

 

 


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