De Maurício Mellone em dezembro 14, 2023
Nascido em Juazeiro do Norte/CE em 1965, Sidney Rocha vive no Recife há 40 anos, onde construiu sua carreira de sucesso. Vencedor de vários prêmios — dentre eles o Osman Lins/2014 com o romance Sofia, uma ventania para dentro e o Prêmio Jabuti/2011 para o livro de contos O destino das metáforas — o escritor lançou neste semestre, pela Editora Iluminuras, o romance O inferno das repetições.
Autor da trilogia Cromane (Fernanflor/2014, A estética da indiferença/2018 e Flashes/2020) e da fábula infanto-juvenil As aventuras de Ícaro, desta vez Sidney Rocha dá voz para o professor universitário Omar, que aos 60 anos inicia uma luta contra o esquecimento e refez sua existência, mesclando realidade, sonho e fantasia.
O livro de 228 páginas é dividido em duas partes e é narrado na primeira pessoa. O leitor a princípio desconhece a identidade de quem narra, mas logo percebe que é um senhor que começa a ter consciência da perda de memória.
“Se pretendo viver, preciso esquecer minha língua, meu corpo e imaginar corpos viris e espertos e eretos. Tenho 60 anos. Hoje isso não é nada, há gente mais velha nas academias. No meu caso, a doença acelerou tudo. Talvez seja como nos disse um desses médicos: ‘Isso de doenças do envelhecimento não existe. É um pleonasmo. Há o envelhecer.’”
A trama na verdade passa a ser a luta deste homem contra o esquecimento. Omar revê todos os momentos de sua trajetória de vida na tentativa de se reconhecer, se conhecer, se entender. Na orelha do livro os editores afirmam que a “tragicomédia se inicia quando a consciência e a existência começam um duelo para ver quem pode mais afetar e desorientar o pobre do personagem”.
Em seu mergulho interior, Omar revive o início de relacionamento com Violeta, o casamento deles e o nascimento do filho Martin. Os encontros do casal com os amigos Melissa, Carlo Peixe e Steffano, assim como o fim do casamento de Omar e Violeta e o início do namoro dele com Solange e a relação de Omar com o filho e nora (Nara) são relatados de forma descontínua. São peças do quebra cabeça que o narrador vai montando e, desta forma, o leitor também passa a construir o universo daquele personagem. Realidade, sonho, fantasia, presente, passado: tudo misturado nas memórias do personagem.
Um detalhe chamou minha atenção nesta luta de Omar contra o esquecimento. Martin na infância ficou anos sem falar e no final da vida o próprio Omar perdeu a capacidade da fala. O garoto, como num passe de mágica, um dia passou a se comunicar; já o pai idoso precisa de fonoaudiologia para voltar a falar. No entanto, no mundo dos sonhos ele nunca deixou de se expressar. Justamente neste momento de confusão interna de Omar que Nara desabafa com a médica, citando o título do livro:
“É o dia inteiro assim. O inferno das repetições. Não aguento mais, doutora.”
Nesta junção aleatória que o leitor é obrigado a fazer para compreender a trama que há o envolvimento e até a identificação com o personagem e a história. No desfecho, o personagem afirma estar em sintonia com o netinho Natan:
“Parecia estarmos agora no mesmo nimbolimbo, no mesmo fundomundo, frequentarmos o mesmo coração sem palavras.
Não importava. Eu não precisava mais nem menos delas.”
A saga de Omar emociona, sua busca interior comove. Os editores na orelha do livro comparam o inferno do personagem com o do país. “É um relato sobre o esquecimento do esquecimento. A falha. A interferência. O fracasso de todos os esquemas.
Ficha técnica:
Título: O inferno das repetições
Autor: Sidney Rocha
Editora: Iluminuras, 228 pgs
Preço: R$ 78,40
Fotos: divulgação
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