De Maurício Mellone em fevereiro 7, 2013
Um documentário nada convencional para uma personalidade múltipla e extremamente criativa. Assim eu definiria o filme Jorge Mautner – O Filho do Holocausto, direção e roteiro de Pedro Bial e Heitor D’Alincourt, que acaba de estrear. Com a intenção de homenagear o cantor, compositor, escritor e filósofo que completou 70 em 2011, o filme se nutre muito do livro escrito por Mautner, O Filho do Holocausto, e relata desde a chegada de sua família ao Rio na década de 40 — eram refugiados da segunda guerra, o pai judeu austríaco e a mãe católica iugoslava —, o contato íntimo com a babá, uma mãe de santo do candomblé, sua formação libertária, o exílio vivido em Londres no início da década de 70, os primeiros sucessos musicais e as parcerias (de vida) com Caetano Veloso e Gilberto Gil. Um filme que dosa muito bem a emoção, a informação e o humor, marca registrada de Jorge Mautner.
O filme prende o espectador já na primeira cena, um prólogo com Mautner entoando trechos de sua música Urge Dracon em que satiriza o nazismo, com imagens raras de Franz Capra sobre o horror da guerra e de Hitler em ação.
Os diretores fazem questão de mostrar Mautner lendo seu próprio livro, em que traz à tona o passado triste de sua família e de uma geração. Emocionante também o depoimento, em alemão, de Susanne Bial (mãe do diretor) para Mautner sobre o nazismo.
No entanto, o documentário é inovador: grande parte dos depoimentos é dada com a presença de Mautner em cena (o encontro de Caetano, Gil e Maria Helena Guimarães que falam com Mautner sobre o exílio em Londres é um dos pontos mais engraçados e emocionantes do filme).
“Não quis fazer um filme para uma igrejinha ou sobre o culto Jorge Mautner e sim para o grande público, que nunca ouviu falar dele e que vai se divertir. Nossa vontade era que fosse mais do que um documentário: um documento sobre a passagem desse cara por aqui. Algo que, se daqui a 50 anos alguém queira saber quem foi Jorge Mautner, possa saber ao assistir a nosso filme”, diz Pedro Bial em entrevista ao site do Canal Brasil.
Outro aspecto peculiar do filme são as apresentações musicais: há cenas de arquivo, mas quase a totalidade das canções é apresentada especialmente para o filme, com iluminação própria e posição diferenciada da câmera (não há plateia, Mautner e os músicos se apresentam para as lentes dos diretores).
“Mautner consegue aliar conteúdo, peso e informação e ainda por cima entretém. O público pode sair da sala de cinema pensando, ‘nossa, que legal o que este cara fez e faz’. Tenho uma grande alegria de, com este documentário, reconhecer Jorge Mautner em vida!”, afirma Pedro Bial.
O fio condutor do filme, sem dúvida, são as músicas. Com direção musical de Kassin e Berna Ceppas e a participação de Pedro Sá, Domênico e o eterno parceiro Nelson Jacobina, o artista interpreta seus grandes sucessos — como Lágrimas Negras, Iluminação, Os Pais, Encantador de Serpentes, Homem Bomba, Manjar de Reis e Quero Ser Locomotiva — que são intercalados com os depoimentos e cenas de arquivo, de shows e de entrevistas antigas.
Com esta “geleia geral” de imagens e informações, o espectador vai montando o quebra-cabeça deste personagem libertário e kaótico (Mautner escreveu o livro Kaos, que considera uma saudação a Brasília).
Entretanto ressalto algumas canções do filme que sintetizam a produção de Mautner, o romantismo, a filosofia e principalmente o bom humor:
“Gosto de ficar na praia deitado/
Com a cabeça no travesseiro de areia/
Olhando coxas gostosas por todo o lado”
O humor de Tarado (Mautner e Caetano) é latente, mas o romantismo de Todo Errado é tocante:
“Psicótico, neurótico, todo errado/
Só porque eu quero alguém/
Que fique vinte e quatro horas do meu lado/
No meu coração, eternamente colado.”
Em Rouxinol (Mautner e Gil) volta o lirismo:
“Joguei no céu o meu anzol pra pescar o sol/
Mas tudo que eu pesquei foi um rouxinol/
Foi um rouxinol”
Saí da sala de exibição de Jorge Mautner – O Filho do Holocausto emocionado diante do perfil de um artista tão criativo e ao mesmo tempo tão simples, humilde e de extremo talento. Não podemos deixar de conhecer este brilhante provocador e produtor de cultura brasileira.
Como aperitivo, assista ao clipe da canção Maracatu Atômico, que no filme também é interpretada por Gilberto Gil, que tirou lágrimas de seu autor.
http://www.youtube.com/watch?v=mlCS5-DLlIc
Fotos: divulgação
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